O ano é 2077, na estação central de transporte aéreo-magnéticos um homem aguarda.
Sentado na poltrona que está um pouco reclinada, um jornal impresso nas mãos, lê e re-lê. Pessoas vão e vêm, todas o observam, não sabe por quê... Os óculos à ponta do nariz, a maleta de couro o livro..., coisas antigas. Seria ele algum arqueólogo rescém chegado das escavações? Por que não digitalizara seus achados como os outros?
Não percebe o que acontece à sua volta, a demora o incomoda inquieto olha por cima do impresso. À frente o gabinete de venda de bilhetes, não vê ninguém lá dentro, pessoas chegam e saem rápido de lá... Não vê aeronaves, não ouve nem sente o estremecer das decolagens. Tudo está tão diferente, tão estranho, as pessoas não carregam bagagens, vão e vêm com uma rapidez nunca vista antes. Vozes, sons estranhos.
...
Alguém se aproxima.
Senhor. Não é permitido ficar aqui mais que trinta minutos. Vira-se para ver, aparência humana, aspecto andróide. Havia visto algo semelhante só em filmes de ficção. Estaria ele sonhando? Tendo alucinações?
Por favor, preciso viajar, onde tiro meu bilhete? Que horas chega a aeronave?
Senhor existe aeronaves disponíveis a todo o momento.
Para a Terra do Sol?
Para qualquer mundo senhor. Vamos precisas embarcar.
...
Um botão é acionado, a poltrona onde se encontra sentado começa a ser recolhida. Não há mais ninguém na estação, todas as outras poltronas haviam sido recolhidas e ele não percebera, o galpão está agora vazio. Ao ver-se sentando já quase no piso levanta-se.
Sou o agente XWM346 ao seu dispor. Acompanhe-me, por favor.
...
Chegam à cabine.
Sua identificação, por favor.
O homem tira um cartão magnético e apresenta-o para logo recebê-lo de volta, sua identificação não tem valor nenhum. O agente indica-lhe o local:
Precisas identificar-se senhor.
No local indicado uma forma de rosto em baixo relevo, no lugar dos olhos duas luzinhas piscam sem parar. Lembra-se, leitura da retina, não podia ser. ... Aproxima-se assustado, temeroso. A luz torna-se mais intensa, arregala os olhos. Por mais que seja incômodo, não consegue fechar.
Leitura completa. Nenhum registro encontrado.
XWM346 encaminha o homem a uma sala, identificam-se à porta que se abre automaticamente, um homem os convida a entrar mais três pessoas. Respira mais aliviado, enfim humanos. A porta fecha-se, sala toda de vidro. XWM346 ainda está fora, mas enquanto observa é desintegrado.
Temos um caso Omega!
Sujeito não identificado no Programa.
Altura mediana aparenta meia idade.
Aspecto humano preservado. Forma de comunicação sonora.
Objetos pessoais materializados e não desintegráveis.
...
Enquanto conversam entre si o homem olha para os lados, a visão é de 360º. É deslumbrante tudo o que vê as luzes, as casas, os veículos, as pessoas... Como podia ser? De uma sala no saguão da estação aérea pode-se ver toda a cidade!
Precisamos fazer a identificação mecânica.
Há vinte anos não temos um caso semelhante.
Uma mulher pega-o pelo braço e leva-o à uma outra sala. Aparelhos empoeirados, luzes, computadores...
A tua mão Senhor.
Digitais, eram-lhe comuns, mas eles manuseavam com dificuldade. O processo e demorado, os últimos registros de digitais foram feitos há cinqüenta e sete anos atrás, quando o Programa fora implantado e tudo substituído, digitalizado.
...
Era isto! O ambiente, a sala, a cidade o agente... Aquelas pessoas seriam reais? Estaria ele diante de um bando de imagens 3D?
O homem apalpa. É sólido, as máquinas. Não resiste e belisca um daqueles seres.
Ai! Grita de dor. Eram mesmo humanos, reais palpáveis...
Não importa... Reais ou virtuais são pessoas...
Identificação completa, registro de nascimento encontrado, Cidade do Sol, 1977 Péricles Há cem anos... Registro de morte não encontrado.
Há quanto tempo tudo isto existe? Pergunta curioso Péricles. Já não falava mais da viagem que tinha que fazer, queria saber de onde vinha tudo aquilo.
Desde 2020. Responde uma das pessoas. Quando o programa foi implantado e foram criadas as Zps em todos os mundos.
Tudo, exceto as ZPs, foi digitalizado. O ambiente, as coisas, objetos pessoais, tudo tornara desintegrável podendo ser transportado ou tele-transportado, armazenado etc. em apenas um clique. Apenas nós, os humanos, e aquilo que nós queremos manter materializados, não digitalizamos. A virtualização tornou-nos a vida mais fácil, é muito mais prático e seguro.
O senhor tem as formas, características e traz consigo objetos das Zps, aonde ninguém vai há décadas. Resta-nos saber de qual ZP és e se existe mais alguém além de você lá.
Quando o programa foi implantado foram recolhidas todas as coisas que se julgavam importantes digitalizadas e logo criadas cópias desintegráveis. Logo que essas estavam prontas e testadas, a original era destruída.
Desenvolvemos também, você já deve ter percebido uma forma de comunicação não sonora, telepática, sensorial. Também alguns de nós podem se tele-transportar.
Péricles ouvia perplexo e via com entusiasmo tudo o que lhe mostravam
...
Onde moravas?
Cidade do Sol.
Como chegou aqui?
Não sei... Embarquei em um avião e aqui estou.
Já morou aqui?
Sim, há muito tempo. A cidade era muito diferente... A Praça, as casas, as pessoas.
Lembras-te de alguém que conhecias?
Sim.
Conviveste com essa pessoa?
Não. Conversávamos pela Rede...
É essa? Pergunta um deles apontando a imagem 3D à frente.
Sim! Como sabem?
Comunicação telepática. Explicam.
Oi diz uma voz vindo da imagem.
Olá! Responde receoso. Não sabia ao certo quem era, nunca a vira senão as fotos, ou se a vira não a reconhecera. Agora ali está ela.
Materializa. Diz um dos que o acompanhava.
Como em um passe de mágica? Materializa-se e começa a caminhar em sua direção. Não era miragem, era real, podia sentir tocar.
Pessoas virtuais podem ser reais? Pergunta espantado.
Sim. Todo o mundo virtual da tua época pode ser materializado assim como tudo o que material foi virtualizado e se materializa quando queremos ou precisamos.
O que são as Zps que vocês tanto falam?
Zonas de Preservação. Espaços e coisas não virtualizadas, ainda estão no seu estado natural.
Porque estão isolados? Por que vocês não vivem em contato com esse espaço?
Péricles compreendera a ausência de casais pela praça, ruas etc... Toda aquela loucura estava deixando-o atordoado, tinha muitas dúvidas, queria perguntar, mas estava ficando com medo das respostas, sua civilização teria mesmo transformado o mundo de tal forma? Seria verdade tudo aquilo sobre família, sexo, crianças etc.?
Não se contenta e faz mais uma pergunta, temeroso do que teria como resposta:
Religião existe religião ainda?
Essa foi a pior coisa que existiu na tua civilização. Por causa dela houve muitas guerras, milhares de pessoas morreram, milhares suicidaram, ou pela fé que tinham ou pelo remorso de não conseguirem cumprir certas regras religiosas. Outros milhares enlouqueceram, adoeceram, centenas de doenças psicológicas, etc. etc. etc.
Concluindo: Foi extinta definitivamente, era uma peste, uma maldição contínua, e com ela era impossível continuar a existência humana.
E Deus? Onde fica nessa história toda? Foi extinto também? Porque religião e Deus...
Deus não tem nada a ver com religião. A religião é uma invenção humana, a pior delas. Deus está para a religião assim como a luz está para as trevas.
Vocês sentem a presença de Deus? Vocês o conhecem?
Não se pode “sentir” Deus. Ele não é um sentimento. Deus é razão pura. É a essência da existência. Um simples sentimento não o define. É preciso conhecê-lo, vê-lo, e só existe uma forma de se fazer isto. Pela Fé.
A fé não é um sentimento?
Não! Onde já se viu? Fé é certeza! Sentimentos são incertos, falíveis! fé é razão, convicção!
Precisamos avisá-lo, se na tua civilização poucos conheciam Deus, aqui são menos ainda aqueles que “dizem” conhecê-lo, não por motivos maiores, mas por não darem importância mesmo...
Já tentaram eliminar Deus do Programa, mas é tolice, impossível. Sem Ele o Universo vira um Caos...
Como na tua geração muitos ainda esperam que Ele reine para sempre... (risos) Ainda esperam...
...
Não observaram que enquanto falavam Péricles se debatia e fatigava. Não estava suportando tudo aquilo, a respiração ofegante e cada vez mais dificultosa deixava-os preocupados, não tinham muito tempo, precisavam adaptá-lo de vez ao Programa e acabar com aquele interrogatório todo ou devolvê-lo ao mundo de onde viera.
...
Um pouco aliviado, recuperado da crise Péricles ainda faz outra pergunta.
Porque isolaram a Natureza nas Zps?
Ah! Verdade, ainda não explicamos para ele...
As piores pestes de que já se teve notícias na tua civilização vieram da “Mãe Natureza”, como vocês a chamavam.
A AIDS matou milhares de pessoas pelo mundo todo e veio do macaco, um bicho semelhante a você. A dengue, epidemia pelo mundo inteiro matando milhares, um mosquitinho minúsculo era o causador, a malária, matou centenas de milhares, também de um mosquitinho, e assim se formos listar ficaríamos horas e horas falando e falando e falando listando essas misérias...
Sem contar que vocês inventaram de mudar a natureza, transformá-la causando assim uma série de catástrofes monumentais, além de produzirem alimentos “monstros” e animais “químicos” causando assim ainda mais doenças do que as oriundas da Natureza. Resumindo: A relação de vocês com a Natureza foi péssima durante milênios ficando assim impossível de se continuar. Foi assim que surgiu o Programa, tentando resolver esses problemas causados pela tua civilização e pelas anteriores a ela.
...
Enquanto falavam não olhavam para ele, mostravam imagens, vídeos que ilustravam as longas explicações... Assim não perceberam quando piorara.
O alarme acionado interrompeu a explanação, paramédicos, luzes, não havia mais tempo.
Os implantes e os testes de adaptação seriam muito demorados e ele não resistiria, era preciso removê-lo imediatamente.
Tempo estimado de resistência!?
Dois minutos!
Oxigênio!
Insuficiente!
Acionar saídas de emergência! Não temos mais tempo!
Desconectar os cabos! Reduzir a ressonância...
Pronto para o retorno em:
Cinco, Quatro, Três, Dois, Um!
Teste completo.
Duração!?
Seis horas. Tempo recorde.
Verificar falhas no Programa.
Capacidade de Adaptação incompatível.
Previsão de novos testes do Programa!?
Inverno de 3007.
...
Senhor! Terra do Sol! É teu destino não?
...
Péricles
23/04/2008