Chegou ao meu consultório com uma expressão muito triste. Trazia no colo um poodle que aparentava idade bem avançada; ao colocá-lo no chão, percebi a dificuldade que tinha para se locomover e enxergar, ao chamá-lo não houve resposta: estava surdo também.
- Bom dia doutor! - Cumprimentou-me e entrou na sala de atendimento. Percebi pelas dificuldades de locomoção, que aparentava ter por volta dos seus setenta anos.
- Bom dia senhora! O que está acontecendo com o seu amiguinho?
- É muito triste pra eu ter que falar nisso, mas não estou agüentando mais ver o sofrimento pelo qual vem passando o Dick. Ele é meu companheiro por volta de 17 anos. E resolvi, e eu sei o que me custa tomar essa decisão, sacrificá-lo. - Após dizer essas palavras; começou a chorar compulsivamente.
- Calma minha senhora. - Tentava contornar a situação - Não fique assim, acho que não precisa tomar essa decisão, o Dick pelo que estou vendo, não está tão mal assim, está andando, está cheirando tudo no consultório... Aos poucos foi se acalmando e parou de chorar.
- O Senhor Acha isso mesmo doutor? - Já fui a dois colegas do Sr que me aconselharam a eutanásia.
- Eu sei que existem colegas que não se importam muito de fazer esse tipo de aconselhamento, mas eu vejo primeiro o sentimento que as pessoas da família têm para com o animal e também se está em estado de sofrimento atroz e irreversível, o que com certeza não é o que está acontecendo com o Dick. Tomar essa decisão, eu bem sei disso, já que tive que tomar com um cãozinho de minha propriedade. Com certeza dona... Como é mesmo o nome da senhora?
- Margarida doutor.
- Com certeza dona Margarida, no momento é precipitado pensar nisso. Eu vou prescrever pra ele um analgésico e um complexo de vitaminas e minerais, com isso a Sra. ainda vai tê-lo por um bom tempo, pode ficar certa disso. E o melhor de tudo, a consciência não pesará, por ter tomado uma decisão errada para com o seu amiguinho. Pelos sentimentos, que estou vendo que a Sra. nutre por ele, essa é a melhor parte da minha sugestão.
- Ele é meu companheiro inseparável, onde eu estou ele está, parece minha sombra. O meu marido, o Sr não imagina, tem ciúme do Dick! - E, sorriu a primeira vez desde que chegou ao meu consultório.
- Eu sei como são essas coisas... A senhora não está vendo aquela gata preta em cima daquele armário. Pois é, minha namorada morre de ciúme dela, diz que dou mais atenção à gata do que a ela, uma bobagem, mas isso existe. Garanto que o seu marido, apesar dos ciúmes ficou triste com tudo isso.
- Ficou em casa chorando, não teve coragem de vir comigo. Ele vai ficar muito contente de ter de volta o seu concorrente... - Dizia, agora, com um belo sorriso no rosto.
- A senhora pode ter certeza, a sugestão de eutanásia tem que partir da família, restando ao veterinário, avaliar se é recomendável o procedimento, por “n” fatores. Nós não podemos ser insensíveis, e recomendar algo que ninguém quer, nem a família nem o animal. Eu já atendi animais, que se falassem, iriam sugerir isso, pelo grande sofrimento que atravessavam.
Prescrevi a medicação e entreguei o receituário para dona Margarida, que foi embora feliz da vida, levando no colo o inseparável Dick.