Os poemas são como fotografias especiais. Captam, materializam e preservam as palavras, tenham sido elas ditas, sentidas, pensadas ou imaginadas. Neste processo, há uma escolha. Uma organização “outra” do todo caótico que é a realidade. Uma síntese do que se considerou ou sentiu como pertinente num dado momento. Esse momento é muito rápido. Como um “flash” de intuição. Mas por detrás dele há sem dúvida períodos de tempo alargados de observação, interiorização, interpretação, nem sempre facilmente ou linearmente relacionáveis com estas “explosões” de comunicação artística.
Nesta organização, nestas escolhas que faz o poeta ou qualquer artista, reside a marca do mesmo. A sua “impressão digital”. Mas há também a parte “técnica” da questão: O “como”. A forma.
Forma e conteúdo. Tão consistentemente unidos que se fundem num todo inseparável. Numa nova realidade. E se essa realidade nova configurar algo nunca antes alcançado, nunca antes visto, mas por todos instantaneamente reconhecido, porque universal, então acontece o fenómeno mais incrível da esfera humana, e que aproxima o Homem do conceito que temos de Deus, imbuindo-o no entanto de uma profunda humanidade contrária a Deus: o fenómeno da Criação.
Fernando Pessoa lembra-nos porém da capacidade e complexidade humana de sermos muitos num só, de podermos representar vários papéis, de construir e sobrepor visões. E lembra-nos: “o poeta é um fingidor”. É a fingir, a brincar, a imaginar que criamos a mais verdadeira realidade. A que abarca todas as realidades aparentes. Juntando as pequenas peças que nos dão a visão dum todo. Nenhuma das peças é tão verdadeira como o todo, porque são parciais. E ainda assim o todo é apenas uma perspectiva, uma dimensão. Já longe do contexto, mas ainda assim mais perto da verdade.
Para mim, as palavras são o “brinquedo” mais fascinante, o material mais complexo e mais poderoso de todas as artes. Porquê? Pela ligação difícil de se explicar entre linguagem, pensamento e sentimento. A língua é um código que conforma a realidade tal como nós a conseguimos ver. Sem ela somos cegos para as coisas. Para todos os efeitos, só conhecemos o que conseguimos traduzir por palavras. E só podemos traduzir por palavras o que de algum modo “conhecemos” nem que seja imaginando. Mas a língua é apenas um dos códigos, já de si complexo, que se usa em literatura. A este, outros se juntam dando-lhe cor, ritmo, som, forma, movimento. Sem poesia, o mundo seria mais pobre e os homens mais feios e estéreis.
cruz mendes