Os dias e as horas passam, as aves para longe voam, as águas correm, os crentes esperam, a vida esvai-se, e você não sai de mim. Símbolo do fim da luta, estigma final, o derradeiro grilhão. O Senhor veio ao meu encontro e disse: “larga tudo e segue-me”, mas eu não consegui. Virei-me e fugi, e dei de cara com o meu segundo amor: você. Não se sinta menor, segundo porque o primeiro (e quem sou eu para o negar) foi o meu Deus. Mas nenhuma outra pessoa neste mundo teve o privilégio de ser amado por mim desta maneira como você. Um amor único, diferente e profundo, que me fez mudar, que me abriu horizontes, e me despedaçou. Sei que você não compreende isso, mas te digo que, mesmo diminuída, dominada e exausta, te dei o melhor de mim, mas você não reconheceu. E cresci com os erros, penei e amadureci, e comigo o meu modo de amar. Talvez você seja pequeno de mais para o ver, ou o meu amor seja insignificante de mais para te fazer ficar. Ou talvez eu dê tanto valor à lógica do amor que não consiga perceber que há coisas que simplesmente são, não têm explicação. “Lógica do amor”, ah ah ah! Rio de mim própria, claro! Alguma vez existiu tal coisa? Se eu te amei, e Deus é amor, e você não tem o meu Deus, e Ele não te tem nem te aprova, mas acredito que, mesmo assim, te ama, como posso eu te amar e ao mesmo tempo existir coerência nesse Amor? Surreal, não? Simplesmente não tive medo de te amar, e eis aí a minha lógica, da qual revogo todos os direitos de me sentir abandonada e desprezada por você. Vendi a minha alma, te dei o meu corpo, e a cada vez que fomos um, que fui fogo e paixão no seu corpo, e não te neguei o prazer que você tanto preza, foi por te amar que o fiz! Ignorei culpas, morais, a minha fé. Aprendi a amar a sua lógica; da minha me dispus a abrir mão, por nós. Toda aquela dor e confusão que vivemos não advieram das nossas incompatibilidades, nem do nosso amor. Eram dores antigas, feridas de guerras que há muito vêm sendo travadas, e que, mesmo que você me deixe, não te deixarão. Mas não te julgo por buscar paz. Te julgo e te bato por me mentir. Por tentar aprisionar meu coração com palavras que você não sente, aclamando sentimentos que só vivem em mim, por me deixar acreditar numa máxima que você nunca defenderá. Noutra noite você disse que eu começava a te odiar. Não é verdade. Simplesmente odeio essa sua filosofia comunista que defende lutas superficiais, e que, anunciando grandes convicções e ideais, procura soluções fáceis e de pouco mérito a cada dissensão. Mas mesmo assim te amo. Vive a sua utopia, e tenha a certeza de que torço pela sua felicidade. Aceito que ficámos pelo caminho, e que tenho que seguir o meu. Isso não é uma tentativa de te convencer, uma expressão de esperança, ou qualquer outra enunciação de motivações néscias que fariam de mim uma mulher não resolvida e estupidamente insistente. Sou mais inteligente do que isso. É apenas uma confissão de que não pude simplesmente ignorar o que sinto porque você cruel e covardemente escolheu deixar de me amar. Queria apenas que você me quisesse ouvir e compreender, e que, por uns meros minutos, tentasse vencer esse seu medo de se render e se tivesse deixado mergulhar na minha lógica, na minha compreensão. Porque aí, tenho a certeza, você nunca teria deixado escapar um amor tão nu e genuíno como o meu.
DaiSantos