Porque é que ao caboucar o poema
Me vêm sempre à lembrança
Imagens inesperadas
Que me tolhem a fluidez do verso?
Porque é que a razão e o sonho
Em mim sempre se atropelam
Na estúpida ansiedade
De quererem ser as primeiras a cortar a meta?
Porque é que vislumbro sempre vis cumplicidades,
Na persistência das sombras que me agridem,
Me servem penosas insónias nocturnas
E me encrespam o riso?
Às vezes penso que esses fantasmas assim agem
Porque ouviram, de segura fonte,
Que o riso é o som da água que corre
Na ribeira do pensamento cristalino,
Das consciências livres.
Ouviram e sabem que a felicidade
Flutua na turbulenta torrente da utopia,
Que é o pão e o vinho das almas libertas,
De preconceitos e máscaras.
Das almas que ousam romper
As grilhetas que guardam cativas
As tristes personagens do grande teatro de marionetas
Em que transformaram as nossas vidas.
Por isso nos querem,
Marchando:
Todos sem tempo,
E todos a tempo.
E nós lá vamos
Marcando passo
Com as botas da tropa
E também com outras
De biqueira de aço.
Um! Dois! Três!
Esquerdo! Direito!
Perfeito!
No tempo certo,
Marcando passo.
Tudo a preceito,
Tudo proveito,
Tudo a compasso.
Ponta Delgada, 2008-11-11
Aníbal Raposo