Deixava seu corpo relaxar na cama, ainda divagando do sexo feito com carinho e sem amor, suas mãos lembravam seu passeio entre as dobras de gordura do corpo da mulher ressonando ao lado. Coxas imensas, barriga dupla confundindo-se com os seios, rosto redondo quase infantil dormia plácida, imerso o cérebro em seu leito de gordura. Entre suas coxas formavam-se pregas de carnes flácidas resíduos de um regime recente onde perdera 30 dos originais 140 quilos que carregava pela vida, quando em pé e nua balouçavam ao andar livres das amarras imposta pela calça jeans justa e agarrada que os moldavam sobre os ossos perdidos no corpo adiposo. Havia sido um encontro marcado pela internet, onde surpreso vira a mulher disforme e simpática, usar todos os argumentos verbais e de manipulação para convencê-lo a ir para a cama. Enveredara em suas carnes observando o ondular da gordura sob a pele a cada estocada, acompanhando flácidos os movimentos do sexo sem duvida estranho, mas prazeroso.
A mulher ressonava mansamente satisfeita mais em ter proporcionado prazer do que em senti-lo. Assim tem sido sua vida desde que desregramentos desmedidos e contumazes depositaram algumas dezenas de quilos á silhueta já encorpada. Usava roupas agarradas para tentar conter aquele desmando de carnes e gorduras ameaçando desabar ao chão sua exuberante e disforme silhueta. Em casa informalmente usava grandes e confortáveis batas que lhe davam liberdade ás carnes, mas o ar senhorial que emprestavam ao seu corpo não lhe agradava. Criatura ingênua quase selvagem, tudo que lhe dizem crê ser verdade tanto mais se aproximem dos seus próprios desejos e imaginação. Como um exercício de auto-estima para o seu fragilizado ego, cantava aos quatro ventos seu talento em proporcionar prazer com suas carnes pródigas e lascivas, avivar-lhes a curiosidade por um sexo desmedido e sem medidas que permitia tudo e tudo permitia. Lisonjeada pela frase de um pretenso escritor que a chamara carinhosamente de dama de Botero repetia a exaustão o fato aos amigos e amigas e aos desconhecidos com quem cruzasse. Fizera-se fã do pintor, imaginou-se pintada por ele, pele lisa formas redondas perfeitas sem as dobraduras que lhe emprestavam a idade e o efeito sanfona dos regimes a esticar e murchar sua pele ao perder e ganhar peso .
Mãos gordas, curtas, formavam covinhas marejadas de suor no verão, distribuindo acenos e frases espirituosas insinuadoras ou jocosas para chamar a atenção, como para isto não bastasse o corpanzil, desenvolvera um senso de humor cínico e malicioso onde exagerava palavras de baixo calão, com investidas sem recato a possíveis parceiros. Sorriso perpetuado nos lábios grossos, derretia-se para os jovens executivos e estagiários prometendo-lhes o prazer de todas as virgens em uma só... ela... ao homem que com ela deitasse, e, nela a pátria do leite e do mel. Andar rebolativo, pernas abertas para evitar atrito entre as pernas onde sofria pruridos que só acalmavam com pomadas, provocativa, com um rabo de olho observava as reações ao seu desfile de carnes, se um olhar revelasse o mais leve interesse incontinente ganhava um piscar de olhos mais que sugestivo. Convidava com olhares cúpidos seus superiores no trabalho a uma noite de prazeres sem conseqüência, o que não raro era aceito. Salvaguardas feitas garantias de segredo total solicitados por eles que ela cumpria rigorosamente, temerosa de perder os parceiros, no mais das vezes de uma única e jamais repetida experiência.
Uma imperiosa necessidade de machos a deitava com todos os homens que se aproximassem, uma entrega total sem decoro, uma necessidade de satisfazer os mais infames desejos do parceiro eventual, como recompensa por aceitar seu corpo disforme não escolhe aceita, como fosse uma cama de hotel. Na rua seus olhos gulosos
seguiam machos que passavam na calçada ou baixo á janela de seu pequeno apartamento, o rosto redondo se afogueava, as moles e salientes bochechas inchavam, os olhos azuis pareciam escapulir-se das órbitas, ao meterem-se gulosos no volume peniano insinuados sob as calças dos jovens homens nas ruas, imaginando-os rijos a vasculhar suas entranhas, sugar-lhes o sêmen entupir-se do liquido da vida. Tremem-lhe os músculos do pescoço, olhos temerosos, sapatos plantados na calçada, mexem-se como se quisessem escapulir-se dali, mas ficam imóveis rígidos imobilizados sem poder desgarrar os olhos dos impávidos machos das ruas que queria para si, não somente como eventuais parceiros mas como companheiros de sua vida, para lhe dar o sabor e a graça que faltavam, se conformara em ser o sexo casual de alguns por falta de opção acostumara.
Fora assim com o jovem bonito e musculoso que conhecera na internet, mandara uma foto antiga do rosto aonde ainda conservava um resquício de beleza. Ao telefone esbanjara uma voz sensual como só as mais sensuais mulheres conseguem. Não fora fácil traze-lo á sua cama, não fossem as promessas de total submissão aos seus desejos fossem eles quais fossem, manipular seu sexo com propriedade, mais mordidas sabias nos lóbulos da orelha e não estaria ali ao seu lado dando-lhe o conforto de um corpo jovem e quente em sua casa, em sua cama. Apesar das dores em todas as entranhas, maxilar cansado, satisfez todos os seus desejos, e afinal nem foram tantos, valera a pena ter uma bela companhia mesmo que por momentos. Abre os olhos, azuis infantis, não mais tem a companhia do parceiro, sem palavras, um grito apenas, rouco, selvagem, uma dilacerante interjeição de dor que não cabe nem em seu peito revela a decepção incontida. Preparara um lanche, guloseimas, vinhos e queijos, champanhe, na tentativa de mante-lo mais tempo ao seu lado... em vão. O jovem se fora sem despedidas...nada levando, nada deixando, além do vazio que encontrara, e em sua nua e obesa solidão... a dama de Botero.
Carlos Said
S. P. 08/2008