Ela era assim, impulsiva, impaciente,
inquieta, pulsante, verdadeira...
não caberia em um exíguo espaço,
excedia o limite das aparências,
não caberia nunca no quadrado
de um modelo de mulher pré-concebido
"unhas rentes, saias longas, pés calçados
em rústicas sandálias de couro cru..."
era viva demais para tais limites,
não tinha pré definição para alguém assim!
Reduzir uma mulher à simples aparência
e a detalhes de personalidade, "uma mulher
de cara lavada, inteligente e sensível"!
Como vestir tal camisa de força em
alguém que nascera pra ser
pra sempre
inconformada e brilhante?
Não desses brilhos dos salões, dos
raros cristais da Boêmia,
não... mas daqueles brilhos surgidos
de pulsações ancestrais, fogos sagrados
magias perdidas na noite dos tempos,
alguém com a paixão incandescente
e indomável das feras, gosto de sangue,
mãos fortes e gestos desmedidos.
Tal pássaro arisco não suportaria as
grades de uma gaiola
e por mais que ela amasse a um homem
ele jamais a teria presa em suas mãos
pois ela era fluida e se repartia em
tantos pedaços , tantos prismas
que nada a reteria, nada conseguiria
fixá-la em uma tela,
nem o amor,
nem a abnegação,
nem o dever....
e tendo vivido por muito tempo
sob os véus de aparências estranhas
à sua natureza volátil,
seu coração se curvara em tristeza,
adoecera de vida, adoecera de renúncias...
A menina que dançava para as visitas,
crescera e entrara por um brete sem saída...
Mas uma mulher assim, feita de tal matéria,
nunca morre de verdade,
por mais que sofra de dores de vida e morte,
há dentro dela, um reduto indestrutível
que brilha incandescente e luminoso,
faz com que ela dance ao chorar,
com que ela chore ao sorrir,
pois pra seres feitos de tal barro,
choro e riso e movimento são bálsamos!
Dançar à luz da lua,
ao redor do fogo,
como bruxa medieval ,
estrela da noite, perdida das ruas desertas,
à espera de seu homem na madrugada,
aquele que a terá por momentos, e
saberá que nunca será o seu dono,
essa mulher que é capaz de inusitadas
ternuras e de doces e suaves toques,
de longas esperas
e de surpreedentes carinhos
no aconchego do amor ...
essa mulher que seria capaz de por
tanto amar, dobrar sua estranha natureza
e ficar ao lado de alguém que ela guarda
no mais secreto do seu coração,
alguém que não entendeu seus gritos,
suas intemperanças, seus gemidos,
alguém que na verdade não acreditou...
não acreditou...
E agora segue a vida, segue o tango da vida,
e ela a dançar... a dançar...
ela... ele... tudo agora se confunde em uma
madrugada perdida, uma noite de lua cheia,
paraísos, um distante mês de abril, e é só
chorar, chorar muito, chorar tanto ...
garoas de tristezas,
brumas nas ruas desertas,
e na calçada o som de passos
os seus passos, o som dos saltos altos,
firmes, decididos, obstinados,
seguindo em frente, seguindo...