Poemas : 

Indie

 

O amor dura rigorosamente 3 minutos e 30 segundos,
mais ou menos a duração dos limites do que pode ser
entendido de uma clássica canção pop.

Em tempos áureos foi um hit com direito merecido a muito airplay,
circulava exaustivamente em repeat pelas vagas hertzianas,
fez furor e culto, angariou groupies dirigentes de um clube de fãs
respeitosos e devotos da sua discografia e das apresentações ao vivo
que guardavam religiosamente bootlegs caseiras de raridades, lados-b
e inéditos.

Era indie rock dançável mais ou menos alegre mais ou menos triste
mais ou menos absurdo como sempre vi os pavement.

Hoje quando se vasculha a montanha de pó frio da memória em
busca dos discos preferidos percebe-se que a fnac já não os vende
remetidos foram ao fundo de catálogo de uma label que mal subsiste
no mercado fonográfico actual, à custa da carolice pelas velhas preciosidades.

Se procurarmos pacientemente será possível desencantar
um exemplar imaculadamente conservado de um
7 polegadas amarelo limão; uma peça de coleccionador
que jamais soará no gira-discos doméstico dos puristas do vinil,
destinada a engrossar a prateleira da estante de um acervo
de um museu de vícios privativos e intransmissíveis.
 
Autor
Bruno Sousa Villar
 
Texto
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Enviado por Tópico
Margô_T
Publicado: 14/07/2016 15:39  Atualizado: 14/07/2016 17:25
Da casa!
Usuário desde: 27/06/2016
Localidade: Lisboa
Mensagens: 308
 Re: Indie
Esta precisão é incontestavelmente deliciosa: “O amor dura rigorosamente 3 minutos e 30 segundos”, mas o poema não fica por aqui e vai avançando com outras considerações igualmente rigorosas para nos fazer ver que o rigor é algo mecânico, algo transitório, algo insípido… estando fadado a acabar num “museu de vícios privativos e intransmissíveis”.
Ponho o teu poema em repeat e vejo o lado-b dele: um inédito meritório que me parece estar uns quantos decibéis acima dos usuais - talvez por expressar, bem alto, algo que todos vamos vendo (e sentindo) e, muitas vezes, ignorando…(Comfortably Numb?…)
E porque este “culto e furor” é cada vez mais próximo de uma canção pop comerciável, os singles vão-se somando, enchendo-se de pó, sem que uma label os identifique… como resultado dessa sociedade que nos enche de posts nas redes sociais, segundo a segundo, e nos dá notícias, segundo a segundo, porque o mundo gira, e gira, e gira… como um disco num gira-discos… e tudo se torna descartável porque estrondosamente fátuo, com precisão de segundos.
Um poema crítico que nos deixa a pensar… (bem mais do que “3 minutos e 30 segundos”…)

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 14/07/2016 17:10  Atualizado: 30/11/2016 22:35
 .
.

Enviado por Tópico
Valdevinoxis
Publicado: 24/08/2022 09:29  Atualizado: 24/08/2022 09:29
Administrador
Usuário desde: 27/10/2006
Localidade: Aguiar, Viana do Alentejo
Mensagens: 2118
 Re: Indie
"O amor dura rigorosamente 3 minutos e 30 segundos,
mais ou menos a duração dos limites do que pode ser
entendido de uma clássica canção pop."

Lapidar.

Eu sei do que falavas em neste texto.
A minha vivência até aos primeiros anos do sec XXI remete-me para interior do texto e o contrário também é verdade.
Sendo eu um produto musical dos 70s, 80s e da entrada dos 90s. Sendo eu um inveterado consumidor de música, seja qual for o estilo ou antiguidade/modernidade, não podia estar mais identificado com o que escreveste.

Foi muito agradável ler esta forma de estar e de ver.