I
È a história banal,
Duma criança normal,
Que teve o azar de nascer
Num país, de povo a sofrer.
Mas Keita não se queixava,
Keita era um lutador.
Tal criança, sonhava
Keita, o sonhador.
Ía á escola, trabalhava.
Keita não poupava suor.
A lida acabada. Jogava
Á bola. Keita o jogador.
A bola ninguém lhe tirava,
Keita era o melhor !
Fintava, rematava, marcava.
Keita o goleador !
II
Um dia á aldeia, veio a guerra
Vasto cortejo de horror !
Keita viu sua terra,
Pegar fogo. Mudar de cor.
O tempo fez-se cor d’ameaça,
P’ra comer, arriscava a pele.
Fardados andavam á caça !
Keita herói, da família dele.
Os rescapados regressaram
Á aldeia. A guerra acabou.
Do nada, tudo recomeçaram,
Keita na paz, acreditou.
Todos perderam seus demais,
Keita trabalhou ainda mais.
Keita de sonhar não deixou,
Mais ainda se treinou.
Keita sonhava ser jogador,
Keita o goleador !
Ele fintava, ninguém o parava
De toda a maneira marcava.
Keita era o maior !
Futuro grande jogador.
III
Mas Keita já não sonha... ser goleador.
Não pode da vida, nada mais querer.
Em vez do sonho, tem uma profunda dor
E a maior injustiça, que é não compreender.
Keita um dia vinha da escola,
Ouviu-se um estoiro, de repente.
Sem uma perna, já não joga á bola.
Ó maldita mina (Made in ocidente !)
Keita perguntou, porquê eu ?
Mas o ocidente fechou os olhos.
P’ra não ver as misérias que vendeu,
Keitas há no mundo, aos molhos !
E a cada minuto que passa,
Uma história feliz chega ao fim.
Uma criança por cima passa
Duma mina, que fica paga enfim !
Keita um dia, seria comprado
Diamante negro, dum clube europeu.
P’la multidão a vibrar, aclamado.
Mas hoje de Keita, só falo eu !
Passou dum futuro dourado,
Á miséria do seu destino.
Por três dólares, foi-lhe comprado
O direito de sonhar. Ser menino.
Urbano da Vila / 98