Deu-me na cabeça começar a pensar no mundo dos pequenos. Como é bom viver na ignorância. Sem preocupações, sem medo do futuro.
Ouvia neste momento a minha amiga Sara que acabava de ser mãe há um mês. Falava-me dos problemas da pequena Carolina (cólicas e outros assim) e eu só me afundava na visão que tinha em miúda da minha Lisboa. Ela não foi minha desde sempre, vivi em Mafra até aos 12 anos mas os meus pais, em busca de melhor trabalho, trouxeram-me com eles. Agora, quinze anos depois, Lisboa é minha e eu sou de Lisboa.
Caminho agora com a Sara pelo Chiado. Ela fala-me de problemas e preocupações e eu, fingindo ouvir (com o tempo tornei-me mestra na arte de bem saber fingir ouvir), deixo-me absorver pela inebriante magia que o Chiado emana.
Sentamo-nos numa mesa da “Brasileira”, um dos cafés mais emblemáticos de Lisboa. A Sara parou por momentos de falar na pequena Carolina e prendeu a minha atenção.
- Joana, já viste o ar andrajoso daquele homem que está a olhar para nós? – disse, apontando discretamente um homem que estava sentado no muro que ladeava a entrada do estação de metro da Baixa-Chiado.
- Qual é o problema? – respondi.
- Deixa-me desconfortável. – continuou a Sara – Detesto quando gente desconhecida me fixa.
- Ora, não ligues. Deve ser louco. – finalizei.
Enquanto a conversa durava não deixei de divagar em que pensaria o “louco” enquanto olhava para nós. Desenhava indefinidamente num pequeno bloco (perguntava-me o quê). E pensei. Viver sem rumo, sem lugar nem posses é viver em liberdade. Sorri para o “louco”, ele retribuiu o sorriso. “Os loucos dão outro colorido à cidade” pensei “ O que seria de Lisboa sem o senhor do adeus?” O sorriso do “louco” era sincero, via-se. Olhei para a estátua do Fernando Pessoa e pensei, ele foi o louco do tempo dele, agora é celebrado. Mário Viegas foi o louco mais sério e brincalhão que existiu (Ainda bem que a Companhia Teatral do Chiado dá continuação ás suas loucuras....)
Enfim, Lisboa construi-se com os seus “loucos”. Eles são parte de Lisboa e Lisboa é parte deles.
Sara parou a conversa.
- Que é? – perguntei.
- Tenho de ir ter com a avó da Carolina. Deixei a Carolina lá e tenho de ir dar-lhe de mamar. Adeus Joana. Adorei falar contigo. – disse ela.
Saiu apressada em direcção ao metro. Quando me voltei para ver o “louco” ele também se tinha ido embora. Deixou uma folha no lugar onde estava. Paguei a conta, o café e peguei na folha.
Surpresa das surpresas, era o meu rosto desenhado na perfeição. Junto estava rabiscado o velho ditado: “De génio e de louco todo o mundo tem um pouco. Para os olhos mais sinceros e curiosos que alguma vez vi. Ass: O Louco”
Ri-me, meti o papel na minha mala e segui errante pelo Chiado, cantarolando:
“São os Loucos de Lisboa
que nos fazem duvidar.
A terra gira ao contrário
E os rios nascem no mar.”<br />(ai como eu adorava que se reparessem em coisas tão simples como a desta estória....mas vivemos metidos nas complicações....=