Poemas : 

Por ruminar da erva do silêncio

 
Pela milionésima vez puxo por um cigarro
Ando às voltas com ele pelos dedos
Preparo os lábios como se fosse para beijar uma cruz
Em algures o silêncio liga a sua ignição

Enquanto preparo o lume para acender o cigarro
Invoco uma mulher bonita
Igual à que tenho na jarra da mesa da sala
Com contornos de tinta-da-china
A jarra é azul
A mulher é vermelha
Acho as cores uma música marítima
Uma explosão no convés de um navio

Ela está protegida por um manto de ovelha
Para imaginá-la nua fecho os olhos
Até pisá-los
e o sol encastelar todas as pregas do corpo
Nesse instante ela sorri
Como eu nunca
Dá um passo em frente e devolve as folhas caídas às árvores
Os cabelos finos às cabeças
A tinta morta às paredes

Grito na intensidade como se trespassado por um pássaro bicudo
Mas não de dor porque essa espera na página de um livro

A mulher da jarra lança-me um adeus-marinheiro
E o lume é agora mais do que a altura dos meus ossos
A esplanada é o vício do poeta
Eu vinha aqui para escrever sobre tubarões
Metais que entram pelas narinas
Do trânsito na via-láctea
Dizer aos anjos que tomem António Aleixo como oração

Por ruminar da erva do silêncio acabei sem um único pulmão
Toda a minha força nela. Na mulher vermelha.
A escorrer em guache pelo pensamento.
Percebi que estava frio porque quebraram-se-me as unhas
E um cão saciava-se nas minhas pernas.
Não sei se sonhar com musas ou lagartos é um casamento à pressa
Pois quando escrevo provo todas as imoralidades
 
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flavio silver
 
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Enviado por Tópico
VónyFerreira
Publicado: 28/10/2008 00:33  Atualizado: 28/10/2008 00:33
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 Re: Por ruminar da erva do silêncio
"Por ruminar da erva do silêncio acabei sem um único pulmão
Toda a minha força nela. Na mulher vermelha.
A escorrer em guache pelo pensamento.
Percebi que estava frio porque quebraram-se-me as unhas
E um cão saciava-se nas minhas pernas.
Não sei se sonhar com musas ou lagartos é um casamento à pressa
Pois quando escrevo provo todas as imoralidades"

Achei o seu poema soberbo!
Vóny Ferreira