Pela milionésima vez puxo por um cigarro
Ando às voltas com ele pelos dedos
Preparo os lábios como se fosse para beijar uma cruz
Em algures o silêncio liga a sua ignição
Enquanto preparo o lume para acender o cigarro
Invoco uma mulher bonita
Igual à que tenho na jarra da mesa da sala
Com contornos de tinta-da-china
A jarra é azul
A mulher é vermelha
Acho as cores uma música marítima
Uma explosão no convés de um navio
Ela está protegida por um manto de ovelha
Para imaginá-la nua fecho os olhos
Até pisá-los
e o sol encastelar todas as pregas do corpo
Nesse instante ela sorri
Como eu nunca
Dá um passo em frente e devolve as folhas caídas às árvores
Os cabelos finos às cabeças
A tinta morta às paredes
Grito na intensidade como se trespassado por um pássaro bicudo
Mas não de dor porque essa espera na página de um livro
A mulher da jarra lança-me um adeus-marinheiro
E o lume é agora mais do que a altura dos meus ossos
A esplanada é o vício do poeta
Eu vinha aqui para escrever sobre tubarões
Metais que entram pelas narinas
Do trânsito na via-láctea
Dizer aos anjos que tomem António Aleixo como oração
Por ruminar da erva do silêncio acabei sem um único pulmão
Toda a minha força nela. Na mulher vermelha.
A escorrer em guache pelo pensamento.
Percebi que estava frio porque quebraram-se-me as unhas
E um cão saciava-se nas minhas pernas.
Não sei se sonhar com musas ou lagartos é um casamento à pressa
Pois quando escrevo provo todas as imoralidades