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Poemas -> Sombrios : 

Basta!

 
Num mimetismo de gestos repisados e inúteis
finjo que existo.
Que vivo
Que sou
Que sinto
Que penso
Basta!
Semimorta rosa. Rosa do nada…
Dispenso palavras piedosas!
Estou enfadada. Agastada.
Tão cansada…
Da colina sopra-me permanentemente
o vento da minha própria insignificância.
(e da tua jactância) …
Do mar banha-me escorreita a baba enfunada.
Insistente, esgoto-me
em gestos desocupados na loucura de procurar ser gente.
E vazia, chocalho sinos por dentro de nada ser. Nada …
Não mais que uma alma inventada, rodeada
de milhões de silhuetas embicadas.
Sinistras sombras!

Dromedários dormem-me no colo dormente.
Espectro fantasmagórico projectado na amurada.

Basta! Basta de colar reflexos partidos,
de fingir que me revejo,
que sou o teu maior desejo … que te sou bela,
translúcida, lúcida, com sentido.
(In)versos, todos os passos que dou,
não me levam a nenhum lugar.
Passos perdidos!

Mumificada,
corto o tempo à navalhada em fatias atomizadas.
Fragmento o rumor do silêncio em partículas volatilizadas.

Num mimetismo de gestos repetidos e inúteis
concluo que
as minhas palavras não tem dentes…
Tem barbas brancas, nubladas. Têm o pó trespassado
na solidão das inóspitas madrugadas.

Basta! Cravo a preceito com cravos profundos,
os prantos, os gritos,
no lugar certeiro do lado esquerdo do peito.
Nem sequer choro …
Corto a raiz aos pulsos quentes…
Deixo que o sangue corra, seja sapo frio…
Emulo-me na forja do alto-forno.
Fustigo-me na bigorna do ferro dorido,
onde reside o acervo de um mulher em derrocada.

Larga-me,
deixa que suba, que suba a montanha encantada …
E que no abismo final de mim me sepulte projectada.

MT.ATENÇÃO:CÓPIAS TOTAIS OU PARCIAIS EM BLOGS OU AFINS SÓ C/AUTORIZAÇÃO EXPRESSA

 
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Mel de Carvalho
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Enviado por Tópico
Dionísio Dinis
Publicado: 15/04/2007 22:28  Atualizado: 15/04/2007 22:28
Da casa!
Usuário desde: 15/04/2006
Localidade:
Mensagens: 203
 Re: Basta!
Uma arquictetura da palavra pujante e rigorosa que, faz deste poema uma fortaleza inexpugnável, a qualquer abalo que possa acontecer na precariedade da existência, um basta dito firmemente, mesmo que os tons sejam de negro forte, há fonte de vida e de querer em cada verso deste poema.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 16/04/2007 12:57  Atualizado: 16/04/2007 12:57
 Re: Basta!
è na bigorna do ferro parido
que plantas as espadas crúas
efervescendo em poema dorido
mesmo traída pelas dores tuas

Enviado por Tópico
Valdevinoxis
Publicado: 16/04/2007 20:06  Atualizado: 16/04/2007 20:06
Administrador
Usuário desde: 27/10/2006
Localidade: Aguiar, Viana do Alentejo
Mensagens: 2118
 Re: Basta!
O texto é, absolutamente, magnífico! É brutal, agressivo, duro, revoltado e de uma escrita quase atómica (tal a sua força). No entanto esta forma não mata a poesia que, habilidosamente, cola toda esta violência. Antes pelo contrário, potencia o envolvimento da escrita por um sentido que roça o épico! Este texto, se trabalhado em termos declamatórios e teatrais, daria momentos de extraordinária beleza e de seguro arrebatamento.

Um texto para não emoldurar. Um texto para se mostrar e não se esquecer.

Valdevinoxis

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