SINTONIA COM O POETA
(Ivone Carvalho)
Que o Maior Poeta é o nosso Pai Todo Poderoso, é incontestável. Afinal de contas, só um Poeta como Deus poderia compor a mais bela Poesia como é toda a Sua Criação, cujas rimas perfeitas são encontradas em tudo que existe ao alcance ou não dos nossos olhos.
E como Bondoso Pai, que nos fez à Sua Imagem e Semelhança, deu aos homens a capacidade de serem também poetas, permitindo, a todos que quisessem, explorar profundamente o seu talento para poetisar, bastando, para tanto, que tão somente aprendessem a extravasar o que vai dentro do seu coração, exteriorizando a sua sensibilidade, os seus sentimentos, as suas emoções, pintando com as cores da alma tudo que os seus olhos enxergam, inda que não possam ver; perfumando com seu próprio olor e com o olor das flores a tudo que possam imaginar; compondo com as mais belas notas musicais a melodia que brota do seu íntimo; emoldurando suas composições com as mais lindas cores, vistas tão só pelos olhos do amor e da sensibilidade inata ao poeta.
E, dentre esses seres tão especiais, que dão vazão a essa coleção de atributos, a gente encontra poetas que são mais do que poetas, porque não só através da poesia conseguem aproximar com muita facilidade alguém que pode, fisicamente, encontrar-se aparentemente distante, já que um oceano pode se fazer presente entre ambos.
Mas, quem disse que o amor, o carinho, a amizade, a afeição e a felicidade requerem um caminho sem pedras, sem água, sem montanhas, sem quilometros de distância, para marcarem e firmarem a sua existência?
Afinal de contas, os nossos pensamentos e os nossos sentimentos não conhecem as regras da física, da geografia, da geometria ou da química, e, por serem mais sensíveis e velozes que a luz, nos permitem uni-los e tocá-los com a alma, onde quer que estejamos.
A poesia pode não transmitir um fato real, mas revela, sem sombra de dúvida, o estado da alma do poeta. E só tocará o coração de quem, no momento de sua leitura ou audição estiver plenamente sintonizado no mesmo canal.
Na literatura, sabemos que há quem tem imensa facilidade de transmitir sua arte através da prosa, outros apenas da poesia e outros ainda através de ambas. Há quem tem criatividade apenas para dissertar, outros para rimar, outros para dissertar e rimar.
Entretanto, não são todos que conseguem sentir a poesia como sentem a prosa. Porque ler um texto e compreendê-lo é, certamente, muito mais fácil do que escrevê-lo, vez que, quando existe nele a simplicidade que existe num diálogo torna-se inteligível pois fica a impressão de que estamos ouvindo o narrador e com facilidade nos transportamos para a história e a vivemos até o final. Se existir, então, riqueza de detalhes na descrição das cenas, dos personagens, dos objetos, imediatamente visualizamos, na mente, com a mesma exatidão vista pelo escritor.
A poesia, entretanto, revela, em geral, a alma e os sentimentos do poeta, sua forma de enxergar fatos, cenários, situações e transmitir tudo com o coração, em apenas alguns versos, tantas vezes buscando ou criando rimas que a tornarão mais melódica, cujas notas buscam a harmonia e canção divina ouvidas pela alma do poeta enquanto se deixa extravasar aquele seu momento tão único.
O estado de sua alma permite o fingimento do poeta de uma forma sutil, levando ao leitor, se este não conseguir enxergar as entrelinhas de cada verso ou cada palavra, a impressão de que realmente está feliz quando poetisa a felicidade, de que realmente é amado se for essa a interpretação fria do seu poema, de que verdadeiramente esteve num lugar imaginado e que pintou através dos seus versos.
É óbvio que muitas poesias transmitem uma felicidade verdadeira, uma dor real, uma situação de fato. Mas não esqueçamos que o poeta é um criador e, mais que isso, um sonhador. E tantas vezes se transforma num personagem, expondo o que gostaria de estar vivendo ou sentindo e até se colocando no lugar de outra pessoa, cuja história ou sentimento lhe são conhecidos.
Também é preciso estar consciente de que suas peculiaridades de sonhador e fingidor lhe permitem, tantas vezes, cantar versos de alegria e felicidade enquanto as lágrimas percorrem sua face.
Talvez seja, para o menestrel, muito mais fácil cantar a sua dor, porque esta se faz sentida aguçadamente e, com toda certeza, não existe ser humano que jamais tenha sentido uma dor, enquanto não é difícil encontrar quem jamais tenha se sentido completamente feliz.
A sensibilidade do poeta, indubitavelmente peculiar, lhe permite penetrar a alma humana com uma visão raramente enxergada por outros. E isso também colabora na sua inspiração.
E não nos esqueçamos, ainda, que frequentemente o poeta se transforma no instrumento de transmissão de mensagens que lhes são “sopradas” e que, certamente, não o são por acaso. Afinal de contas, sabemos que os seus destinatários, mais cedo ou mais tarde, terão acesso às mesmas.
Sendo, então, o poeta, um mensageiro inspirado pelo amor em todas as suas conotações,
torna-se impraticável a interpretação da sua poesia de forma fria e contundente. Não basta lê-la, é necessário senti-la!
É preciso lê-la ou ouvi-la com a alma, com o coração aberto, enxergando as entrelinhas ocultas que poderão permitir ao leitor ou ouvinte a melhor interpretação do estado da alma do seu criador, as mensagens ali contidas e o sentimento maior que a inspirou. Estando os canais plenamente sintonizados, do compositor e do leitor, é possível, a este, sentir-se o próprio poeta, ou a sua musa inspiradora.
É assim, também, que deve funcionar a nossa busca de explicações para fatos e sentimentos que tantas vezes não entendemos e, muito menos, sabemos explicar.
O Maior Poeta, o Criador, deixa sempre, nas entrelinhas da vida e da natureza, todas as explicações que podemos conhecer, mas que, apenas se observarmos com os olhos da nossa alma e com o coração voltado para os Seus ensinamentos, obteremos respostas a tantas questões que levantamos e que, raramente, compreendemos.
SP, 24/10/2008