ele senta-se com o sol a bater-lhe nos olhos, as mãos seguras ao lado do corpo, os olhos pousados na água onde algumas sombras se desfazem ao cair da tarde. ele espera. ela não sabe muito bem o que dizer, dizer alguma coisa parece-lhe caminhar em sentido contrário, estacionar num parque privativo. ela cala-se. às vezes a tarde espreita-lhe por cima dos ombros e o cheiro do outono desprende-se da copa das árvores e vem sentar-se-lhe ao colo; outras vezes é do mar que lhe chega a certeza de outubro. ele não sabe o que lhe vai no coração, desaperta alguns sentimentos devagar, depressa dói e enquanto as horas morrem no relógio preso ao pulso a cidade berra memórias menos felizes. ele levanta-se. as casas são todas pintadas das mesmas cores e ao longe vêem-se barcos que deram à costa memórias, há um farol ao lado do pontão e enquanto ela se deixar dançar pelo cheiro a sal ele aproxima o casaco contra o corpo. está frio aqui. sentam-se no convés de um qualquer café, falam dos dias, das horas, de algumas casas mudas e de longe ela recorda-se de tantas tardes como esta, quando o frio do outono lhe caía nos cabelos ainda longos, quando o vestido de lã não chegava para lhe aquecer o coração. ele agarra-lhe a mão agora gelada, talvez lhe pressinta algumas lágrimas à espreita, os olhos de ambos parecem perdidos na areia mais à frente. a solidão começa-lhe com a tarde a cair e ele não sabe disso. ela podia chorar mas enforca as lágrimas nos olhos. ele podia falar mas mata algumas palavras no céu da boca. há uma inquietação que lhes chega do mar alto e fica.
. façam de conta que eu não estive cá .