Lisboa, 10 de Fevereiro de 2007
Amor,
O meu coração brama, desalmado no seu desespero, que nada mais tem que te diga, que a calmaria da maré baixa o lavou para a eternidade de todo de tudo, de todos os tantos tombos e tropeções sem término trazidos à tona só por te lembrar, quando na verdade esquecido nunca foste e nunca serás. Grita tão agudamente alto na melancolia da sua dor “não lhe escrevas” que me ensurdece de tal modo que não me resta opção senão pegar no meu lápis trémulo, hesitante a cada risco, delineando palavras mais profundamente marcantes para o que não cessa de gritar em mim do que para a alva, inanimada folha de papel onde realmente estão a ser escritas.
Porém, quando não sobrar espaço para outro dizer, esta página significará algo que não só ela própria, um papel branco como tantos outros. Estará cheia de qualquer coisa nela depositada, bonita, feia, generosa, cruel; pois a essência das coisas ainda nos escapa (até quando a tua me escapará, meu amor?). Creio que o mesmo se passa quando ao amor diz respeito. Até ele nos atingir, não somos mais que folhas brancas, vazias, plenas de nada e plenamente convictas de que o nada será sempre melhor do que a marca de qualquer caligrafia. No entanto, ninguém nos pergunta se desejamos que escrevam em nós. Escrevem, riscam, desenham e damos por nós marcadas, preenchidas por algo maior do que nós alguma vez seremos. O simples traço de uma letra, quando a de quem amamos, pode escrever um livro inteiro na nossa alma. Jamais seremos as mesmas, por muito que tentem apagar ou apaguem mesmo o que já foi em nós traçado. Para o exterior, pareceremos de novo uma página por escrever, desinteressante e banal; mas no nosso íntimo saberemos sempre que já guardámos mais do que nada e recordá-lo-emos com saudade, com um vazio ocupado somente pela memória do que já foi e não poderá voltar a ser.
Posso dizer que desenhaste em mim a mais bela das perfeições, se é que neste mundo ou no outro haja algo digno desse nome, além de ti, meu amor. Cada linha do teu ser fez de mim primaveril e colorida folha de fábulas fantasiosas, enfeitada e enfeitiçada pelo formato mágico da escrita do teu lápis. Todavia, enquanto que com uma mão me enchias da poesia emanada pelo contorno da tua doce letra, na outra detinhas já a mal amada borracha que usarias para apagar a tua passagem. Deste conta, meu amor, que no lugar de um lápis usaste tinta permanente? Ainda guardo todas as palavras, o leve toque do teu traçado nas mais áureas e estimadas páginas da minha existência. Não, nunca abdico delas, deixo-as sim soltas, saltando desprendidas por todos os bocadinhos de mim. Vagueiam algures dentro de mim, não como memórias vagas, mas como belas e horrorizantes marcas bem presentes a cada suspiro que dou. Existem ainda, como que sem razão para alguma vez terem sido escritas.
Diz-me, hábil desenhador de inúteis utopias, houve alguma razão? Terá valido a pena, no teu íntimo? Dentro de ti, guardarás alguma página marcada pelo meu toque? Oh, amor, diz-me que sim. Sonho que sim. Sonho que guardes uma infindável biblioteca de livros em branco esperando que o traçado desta mão que tanto te ama os desperte para tudo o que em mim pulsa e me sufoca todos os dias. Sonho que desapareçam todas as maquiavélicas borrachas das nossas vidas e que jamais alguém ouse escrever sobre o que um dia escrevi em ti, se é que ainda guardas algum dos meus versos apaixonados. Sonho que não leias nada senão a minha transparente alma tresloucada e que me deixes ser inundada pela literatura do teu coração. Sonho que estas páginas que me saem agora da alma ecoem como o piar de um melro moribundo pelo seu sentimento dentro do que quer que seja em ti, desde que algo seja e em ti também. Sonho… Só, mas para sempre em ti. Á espera de ti, escondendo os mais belos capítulos da minha vida para que um dia termines a tua obra. Só sonharei… E sonharei só, porque tu não estarás comigo.
Amo-te,
TP