Derrama-se a chuva sobre o corpo, como mar que sofregamente quer engolir a alma, numa onda de simples e belo recorte. Entrega-se o espírito à força da tempestade dos sentidos como barco perdido em pleno naufrágio. Bebe-se nos lábios as gotas salgadas do suor que o corpo já não comporta, para soçobrar logo ali, enseada tranquila que nos acolhe depois da loucura revolta deste oceano de prazer.
Não és minha, não sou teu, somos um de cada outro, pedaços esfarrapados de um tecido imenso chamado Universo, retalhos de uma manta feita de mil vidas, mil e uma noites em que adormecemos o Sol para acordar a Lua, beijamos as trevas e delas fizemos abrigos, dormimos despidos em braços alheios, e provamos da boca do outro o mel da luxúria.
Acordas-me, despertas-me o olhar para o paraíso dos sentidos, beijo-te a boca molhada de tantos outros beijos, e somos o nada feito de tantos outros seres que já não sabemos de onde começamos esta caminhada. Depois percorres-me o corpo com os teus cabelos, pedaços de ventos perdidos sem norte nem destinos, como se quisesses levar-me nas asas desse pássaro querido.
Este turbilhão é a pura emoção que nos descontrola o corpo, trespassa a mente e nos faz perder a razão. E completamente desencontrados da realidade voamos em céu aberto os sonhos que a noite nos oferece, nesta mágica e terna ilusão duma realidade transversal que nos trás saudade e nos oferece esperança.