Nunca viu nenhuma princesa
Nem nunca viu cadáver a dar à costa
Tem família em Angola
Um cão preso pela corrente
Deita gotas nos ouvidos
Dois livros premiados
Outro quase a vencer
Tem as quartas todas livres
E as sextas para as bebedeiras
Tem um sangue supostamente burguês
Tem dias que veste saia
E outros que anda nu
Acha que o Sol é uma cópia barata de outro que já morreu
Diz que à riqueza não comenta
Aluga sinas com bons destinos
Arde só de pensar que vida é esta
É um homem com ombros largos
Uma barba que faz aproximar as mulheres
Um silêncio que é mago e letal
Dou-lhe mais uma pista:
Seu primeiro nome é Jesus
Dormiu em barraca montada
Lá para os lados de Nazaré
Sua mãe virou estrela de Holliwood
Seu pai teve um caso com a solidão
Deixou de entender os astros
Essas coisas que para entender não basta olhar
É preciso abrir os livros em página certa
Depois nasci eu
Dentro de um cesto
que por estar mal empalhado
Acabei por cair e magoar uma formiga
Eu cresci e a formiga não
Foi aqui que nasceu o Erro
E as séries policiais
Os bandidos vieram muito atrasados
O que não é costume
Depois de me comprarem a primeira roupinha
Deixei de andar nu
Sem poder esconder nada
Disseram-me que o amor são veias cruzadas
E eu acreditei
Agora que sou grande
E uso as mãos para tudo mais
Corto a barba
Uno os lábios e assobio
E uma mulher vem à janela dizer
que já posso subir
E eu finjo que é só mais uma pergunta
Como as tais que vêm do Oreinte
Que de tão carregada de pronúncia
Mal se entende o paladar
Agora sou eu que vejo a Vida
Em estado de evaporação
Comprei meia dúzia de credos
E olhe digo-lhe que foi dinheiro mal gasto
As mesmas dores nos rins
Os mesmo chinelos rotos
As mesmas árvores para mijar
Entre isco e anzol já não sei o que quero ser
Virtude é que não!
Não me consinto fazer Tours pelo meu Ego
Ele que se dane!
Eu também tive de sobreviver
Até chegar aqui a este poema
Que aparenta dois mil e poucos anos
Mas não!
Ele é recente
Saído da última colheita
Que não foi de vinho nem de sangue
Uma colheita de versos
Palavras soltas no meu whiscritório
Sonetos inacabados
Arte espalhada pelo chão
Filhos atrás dos móveis
Debaixo do tapete
Enfim
Tudo obras ocasionais
Depois de uma noite a ingerir remédios
E outros produtos não-catalogados
Pela medicina que eu invento
Através de folhas secas e enroladas
Num papel de arroz que não dá para comer
O que sinto muito
Pois tenho fome de um bom prato
Servido com azeitonas da Beira
Para falar a verdade tenho de me despir
Mas o frio corta e a verdade também
Por isso me chamam de louco
Um sócio cativo da loucura
Que me fecha e olhos e leva-me
Por cidades estelares
Caminhos novos a vencer
Com um relógio pendurado na cabeça
Para saber que é hora
De escrever o poema
Para ser lido em voz alta
Depois da partida
Do homem que morreu com trinta e três anos
Após um show ao ar livre
E que ninguém acreditou
E espatifaram-no
Seu nome
É Jesus de Oliveira
Morava lá para as bandas do Cacém
E sonhou um dia ser poeta
Com mérito e reconhecimento
Mas tal não aconteceu
Porque tem um filho menor que se droga
E vendeu todos os direitos
A um polícia à paisana
Que tinha um crónica no jornal
De muito sucesso
Que por causa disso até ganhou um prémio
Mas que agora está reformado
Ocupa seu tempo em bilhares e jantaradas
Apalpa o cu às raparigas mais novas
Sem que isso lhe cause insónias...
Mas enfim
Tudo gente culta
Mas que não sabe um único passo de dança!
Para aprender tive de esquecer tudo o que aprendi
Depois de saber certas equações
Determinadas operações
Interpretar a saudade numa regra de três simples
O que é o amor na prova dos nove
Por que somos carnívoros até à hora de morrer
Ou por que é que o coração é um armazém de remessas vazias
Por isso
Por isto
Por quilo
Por aqule'outro
Decidi esquecer ao que vim e o que sou