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Carta de Um Personagem

 
Escrevo para ti, Paulo!
Porque hoje é domingo, o dia do teu descanso e não escreves, Eu, personagem do teu espírito, venho a terreiro gritar o meu desalento. Sem que tu saibas, ou mesmo que te importes, escrevo para descrever a minha revolta e expô-la ao mundo.
Reclamo. Não entendo porque não me dás vida! Não aceito que me ignores e que, assim, não canalizes para a tua mão os ecos do meu desejo. Dá-me vida!
Dá-me vida de igual forma a que dás às outras personagens que coabitam comigo, bem dentro de ti. Só porque sou rebelde, prestidigitador, por vezes um concreto indefinido, tu não me ligas? Hoje não me calo. Não me controlas. Grito a minha revolta! Quero existir…
Caro Paulo, meu autor e meu amo, perdoa-me esta denúncia, desta personagem esquecida, aos teus nobres leitores, mas não consigo sobreviver no teu corpo sem a voz, que fluí da minha alma e deveria deslizar para a tua escrita. Essa mesma voz que é a minha condição de vida, mesmo que seja um personagem louco ou transmita palavras agrestes e fecundadas nas malícias guerreiras, mesmo que sejam oriundas de um ego tácito, que necessita de rir ou chorar, em movimentos nocturnos, despojado, de vida própria. Tenho ainda assim, apetites sequenciados, que quero sentir. Eu existo! Eu grito! Eu te denuncio!
Vivo enclausurado neste teu corpo e partilho-o com tantos outros personagens que sobressaem, que vagueiam livremente na tua mente. Fogem para a tua mão para poderem ter vida exterior e todos eles me ignoram. Merda! Eu estou aqui no mesmo sítio de onde nunca saí… Merda vezes sem conta!
Hoje é domingo. Agora penitencio-me, regresso ao meu claustro, por outros tantos anos como os que aqui vivi até hoje. Serei castigado pelo meu acto desesperado mas que me importa se esse castigo era o meu dia-a-dia? Serei ignorado! Morto! Porque ignorares-me é morrer lentamente…
Mas consola-me um dia, este dia, este domingo, que fugi de ti e me mostrei ao mundo.
Hoje existi fora de ti!
Se depois perguntarem por mim, mesmo que ninguém responda, saibam que estou aqui em sofrimento, na calada de noite. Estou aqui…
Peço clemência. Pelo domingo, dia do teu descanso, mas como hoje que tu não escreves, escrevi eu! Escrevi e morri!
Paulo, hoje é domingo e amanhã tudo será normal e ninguém se lembrará deste domingo que existi… Perdoa-me, Paulo!

Cérebro, 19 de Outubro de 2008



Escrevo…para libertar as personagens que não consigo Ser!
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http://catalogoluademarfim.blogspot.pt/

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Autor
Paulo Afonso Ramos
 
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Enviado por Tópico
Luz&Sombra
Publicado: 19/10/2008 21:07  Atualizado: 19/10/2008 21:07
Da casa!
Usuário desde: 01/10/2007
Localidade: Cantinho à Beira Mar Plantado
Mensagens: 410
 Re: Carta de Um Personagem p/ Paulo Afonso Ramos
Possuímos em nós mesmos, pelo pensamento e a vontade, um poder de acção, que se estende, muito além, dos limites de nossa esfera corpórea.

Beijinhos.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 20/10/2008 10:44  Atualizado: 20/10/2008 10:44
 Re: Carta de Um Personagem
Pouco a pouco vamos apanhando o fio condutor que nos leva á mente de quem escreve. Demora tempo.
O que tenho lido, quase que digo que é fabuloso... mas esta palavra imediata, não se aplica aqui...
É interessante este jogo de personagens com o autor.
Um grande abraço e muito sucesso para o teu livro.

O que tenho lido têm-me causado curiosidade e motivação para conhecer o livro.
Agora estou num momento aflitivo para pensar noutras coisas, mas fica a promessa: vou lê-lo.
Não me conheces, não sabes se cumprirei a promessa ou não. Fica a bola do meu lado.

Abraço.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 20/10/2008 17:50  Atualizado: 20/10/2008 17:51
 Re: Carta de Um Personagem
E o ortónimo que se desvela no heterómimo, ou vice-versa.
Gostei muito de ler este seu-eu de fora para dentro e de dentro para fora de si: do seu ente-sendo-ser.

Um abraço,

Domingos da Mota