Poemas : 

Parte velho, paga novo

 
Tags:  Canto Curto  
 
A jarra Ming, nos séculos perdida,
caiu da mão do idoso enfartado;
os cacos sangravam o braço sem vida,
a mão ainda tinha o vaso apertado.

Parte o velho e a velharia se parte,
paga o novo o funeral,
o enfarte
parte o vaso imperial...


Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.

Eugénio de Andrade

Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.

 
Autor
Rogério Beça
 
Texto
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Enviado por Tópico
Bruno Sousa Villar
Publicado: 18/10/2008 11:24  Atualizado: 18/10/2008 11:24
Da casa!
Usuário desde: 09/03/2007
Localidade:
Mensagens: 429
 Re: Parte velho, paga novo
queres dizer en..., certo?


Enviado por Tópico
MariaSousa
Publicado: 18/10/2008 11:29  Atualizado: 18/10/2008 11:29
Membro de honra
Usuário desde: 03/03/2007
Localidade: Lisboa
Mensagens: 4047
 Re: Parte velho, paga novo
Muito se poderia dizer acerca deste poema curto...

Gostei da "ironia satírica".

Bjs

Enviado por Tópico
António MR Martins
Publicado: 18/10/2008 11:33  Atualizado: 18/10/2008 11:33
Colaborador
Usuário desde: 22/09/2008
Localidade: Ansião
Mensagens: 5058
 Re: Parte velho, paga novo
Nada dura para sempre!...
Irónico, mas com imensa mensagem.
Dá para meditar, e muito...

Um abraço

Enviado por Tópico
Nanda
Publicado: 18/10/2008 11:49  Atualizado: 18/10/2008 11:49
Membro de honra
Usuário desde: 14/08/2007
Localidade: Setúbal
Mensagens: 11099
 Re: Parte velho, paga novo
Rogério,
Descreves com originalidade a tragédia de um enfarte.
Amigo, és espectacular.
Apreço
Nanda

Enviado por Tópico
Alberto da fonseca
Publicado: 18/10/2008 12:17  Atualizado: 18/10/2008 12:38
Membro de honra
Usuário desde: 01/12/2007
Localidade: Natural de Sacavém,residente em Les Vans sul da Ardéche França
Mensagens: 7080
 Re: Parte velho, paga novo
Amigo, eu que já tive dois... fico a pensar.
Isso do parte velho paga novo, já foi tempo, agora os seguros, é: partes velho pagamos ainda mais velho e não sabemos quando.

Abraço amigo e bom fim de semana
A. da fonseca

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 18/10/2008 13:51  Atualizado: 18/10/2008 13:51
 Re: Parte velho, paga novo
Ironico!

Mas como sempre MUITO ORIGINAL!!


beijinhos... ( da Malvada!! )


Luisa Raposo

Enviado por Tópico
Margô_T
Publicado: 24/08/2016 09:19  Atualizado: 24/08/2016 09:22
Da casa!
Usuário desde: 27/06/2016
Localidade: Lisboa
Mensagens: 308
 Re: Parte velho, paga novo
De um humor (bem) negro…
Todavia, faz-nos pensar...

A “vida” do “vaso imperial” “nos séculos perdida” – valorizada por uma cultura que sabe que a sua História assenta nestes objectos que nos ficaram de tempos idos, contextualizando-nos no Tempo
e a vida de um “idoso” que, devido a um enfarte, deixou cair a “jarra Ming”.

O homem pulsa, o homem sente, o homem tem uma só vida. Também a jarra não voltará a ser o que era depois da desagregação (mesmo que criteriosamente “puzzleada”) mas uma jarra é uma jarra e este idoso somos nós - um ser humano apanhado de surpresa pela morte.
Os “cacos” da jarra “sangravam” no “braço sem vida”, diz-nos o poema. Mas não são os “cacos” da jarra que mais “sangram”, é o homem que sangra porque é ele que possui esse fluido vívido.
O homem cai, mas a sua “mão” “tinha o vaso apertado” – esta tensão entre o “braço sem vida” e a mão que consegue apertar a jarra despedaçada, num derradeiro gesto de tentar proteger o inevitável (em vez de se defender da queda e se tentar proteger a si próprio), assombra-nos.
Mas o poema não fica por aqui… dizendo-nos, ainda, “parte o velho e a velharia se parte”, jogando com o verbo “partir” (diferente em ambos os casos) e, simultaneamente, juntando o “jarro” ao “idoso” ao considerá-los como “velhos”.
Caçados por toda esta tensão mórbida, parece que já não há mais nada a dizer… mas o sujeito poético ainda se estica (mais um pouco) dizendo: “paga o novo o funeral” – e lá surgem as macabras consequências com que um familiar morto nos toma, obrigando-nos a pensar em coisas práticas quando a emoção nos leva para bem longe, devastando-nos.
Já o “enfarte”, quem o paga/pagou foi o “vaso imperial”.
E ficamos a pensar “E o idoso? Ninguém fala do idoso?” - fala-se do novo, fala-se do vaso e a vida, ali perdida, passa ao lado do poema…
… e, ao fazê-lo, põe-nos de alerta para esta evidência: a morte levou-o consigo, quem ficou foi o “novo" e a “vaso”.
A “jarra Ming” será recuperada e ainda haverá de ser exposta num Museu, o novo pagará o funeral e terá de aprender (irremediavelmente) a lidar com a perda, e o “idoso” foi… anónimo como todos nós.
Um poema que vai muito a fundo, bem rente à fragilidade humana… tocando-nos irreparavelmente por ela.
Um Grande Poema.