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intervalo

 
“vocês fizeram os dias assim!”. Chovia apenas porque sim, escrevia não sabia que sim. Respirava e com isso os dias escorriam. Devagar, sempre devagar. Frio, sentia frio, o incómodo do arrepio, a dor no pescoço, a maleita no joelho o entorse nunca curado no tornozelo esquerdo. E pesava uns quilos a mais. A chuva fizera um intervalo, mas as nuvens que pairavam não eram augúrio de bonança. Ficou, como sempre, na entretela do beijo, na alquimia das canções, na maresia dos mastros que com as velas recolhidas esperavam no cais a partida. – Um dia faço-me ao mar, um dia parto sem destino e não volto. Ai o sabor a sal! Corpos dourados, cabelos em desalinho. Pudesse eu ser marinheiro que a terra não me comia os passos. Pudera eu ser gaivota. Estes dias cinzentos em que levanto e me sento, com o frio dentro do corpo, recordo as saudades que não tenho de um tempo que não soube ter, de um tempo que volto sempre a perder na esperança de saber o que fazer, com o tempo dos outros. Todas as manhãs em frente ao espelho lavo os dentes, faço a barba, passo o pente no cabelo, componho a fralda, escovo os sapatos, só não afago a alma que se me esconde, que se me envergonha e dorme, dorme, dorme. Hiberno a alma e deixo que o corpo ausente faça as vezes, às vezes, que é gente.
...
no outro lado da linha alguém me chama. Vou para fora, ainda regressarei cá dentro.
Um dia.

 
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baril
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