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A minha ilha

 
No silêncio da noite selvática piam pirilampos mórbidos e as moribundas corujas da madrugada anunciam, em canto surdo, que esta noite renascerão dos pântanos as gazelas perdidas, perante a impavidez dos sapos que se filtram, irremediavelmente, pelas atávicas luas despidas. Sibilantes rosnam as serpentes, seduzindo faunos inocentes, enroscadas, elas, em flores de hastes decepadas. Da floresta encantada vem o fumo branco das putrefactas inalações das orgânicas substâncias que, após o jugo do sol, são arrefecidas por dura geada.

Ouve-se decantado na bruma, o misterioso gemido daquela que vagueia pelos matagais, buscando a seiva dos pinhais e raras essências filhas do relento. Orvalhadas as ervas, frio o firmamento, brilha no céu azul luzente a miragem de onírica paisagem sem gente. Cortante e gélida, refracta-se no luar a imagem possante de um pensamento súbito. Onde o acidulante veneno do perene repouso que busco, busco, nos troncos putrefactos, na terra barrenta, nos limbos do esquecimento, regaços que entrevejo e as tocas dos animais, feridas, feridas, presas no seu recolhimento?

Nas alvuras perfila-se o atávico sonho do reencontro. Corro, salto, quebro raízes, esmago a terra consistente e voo em helénica graça para a findura do horizonte. Chego, páro, perlado de suor o rosto que a noite orvalhou, aceso o olhar que espia. E, barca que já partiu, dela ainda vejo a vela ondeante no mar deserto, vogando lá para os lados do luzente. Parte ou chega? A dúvida plana impávida de indiferença. Clamo ou silencio a minha presença na ilha dos vapores perenes? Revelo-me, ou confino-me à minha obscura e modesta deambulação na demanda da flor da paz, doce veneno de solidão? Palpita na escuridão um coração de gente. Decido em alvoroço. Grito, de um búzio faço voz e lanço o meu chamamento. Estou só na serena ilha dos vapores sufúreos. O barco plana um momento nas águas imponentes e de lá acena alguém com um mosquete. Vejo que o mar se abre agora em direcção à ilha e sei que é para cá que ele desliza.

Quem vem à minha ilha, assim tão de repente? Ao longe, os olhos quebram-se no enigma e a barca a avançar. Ao perto, os olhos não divisam mais do que um rosto na sombra de um chapéu. Sei que é afável o seu trato e sendo suave o seu gesto, dulcificada será a sua voz..
Um sopro frágil e quente, um doce roçar de mão insistente e os meus olhos que se cruzam com dois pares de outros ansiosos, ridentes e lindos, pedrinhas inocentes que brilham na semi-obscuridade: “Mamã, queremos papinha!”

Ah! Rio-me, interdita a voz e o pensamento. É o dia que começa! Salto o fosso, ergo-me a custo. E continuo a rir circunscrita na magia do sonho, aberta à pureza do dia.
O barco que chegou há-de atracar, mas as doces amarras invisíveis que me arrastam para a vida fazem-me lembrar que não há outro mistério para além deste, nem melhor ilha de paz que esta...

O barco ficou certamente por lá, parado, talvez pronto a levar-me no próximo sonho, para fora da minha ilha dos vapores serenos. Será que vou?


Luz&Sombra

 
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Luz&Sombra
 
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Enviado por Tópico
Tânia Mara Camargo
Publicado: 15/10/2008 23:43  Atualizado: 15/10/2008 23:43
Colaborador
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Mensagens: 4246
 Re: A minha ilha
Para ler e reler muitas vezes,
que beleza, que construção,
esou maravilhada com tua
inspiração. Parabéns! Beijos!

Enviado por Tópico
Liliana Jardim
Publicado: 16/10/2008 00:40  Atualizado: 16/10/2008 00:40
Usuário desde: 08/10/2007
Localidade: Caniço-Madeira
Mensagens: 4420
 Re: A minha ilha
LI, reli e reli, amiga....grande inspiração e suspense no final será que vais ou ficas?

Olha ás vezes devemos ir....a solidão é má companhia mesmo que em paz, se fores volta porque de vez em quando a solidão é boa companhia...não ajudei nada pois não?

Beijinhos Ana paula
Tudo de bom para ti

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 16/10/2008 23:05  Atualizado: 16/10/2008 23:05
 Re: A minha ilha
Para contar sonhos assim
convém que vá e me leve a mim...

Belo

Um abraço,

DM

Enviado por Tópico
GlóriaSalles
Publicado: 20/10/2008 21:28  Atualizado: 20/10/2008 21:28
Colaborador
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Localidade: Flórida Pta-SP
Mensagens: 2514
 Re: A minha ilha
Oi flor, é a primeira vez que venho e ja me encantei com sua ilha.
Lindo de ler, me prendeu do inicio ao fim..

Bjos
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 22/10/2008 19:33  Atualizado: 22/10/2008 19:33
 Re: A minha ilha
Texto denso, que nos prende...
maravilhoso!
"Sera que vou"?
Vai!
Muitos parabéns!
Beijinho
Edilson