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Ouves-me?

 
A morte está agora diante de mim, e eu sem nada querer fazer. Já lutei tanto para me manter viva que já não tenho forças para mais, agora prefiro deixar-me ir. Sinto que chegou o momento, o derradeiro, aquele que muita gente anseia para que nunca chegue. Mas essa gente vive na ignorância, será que não percebem que viver a sofrer não é viver?
Eu sei que é complicado para ti, mas tens de compreender… Vivemos tanto, sofremos tanto que parece que agora temos o dom da imortalidade, que podemos fazer tudo, que pode acontecer o impossível e mais alguma coisa, que nós continuamos intactos, mas isso não é verdade.A vida pregou-me uma partida de mau gosto, que infelizmente, por muito que replique ela não a irá remediar, por isso tenho de viver com isso e morrer por isso. Compreende-me. Deixa-me partir, deixa-me conhecer o outro lado; por mais estúpido que seja, tenho uma vontade tremenda de conhece-lo, a um ou a outro. Lá por tu me queres contigo, não significa que eu o queira fazer, ainda por cima nestas condições! Raios, tenho receio de mim, não sei o que se passa comigo, e tu vês-me assim e não dás conta de nada, se soubesses como isso dói, se estivesses no meu estado… Sabes, eu também tenho medos, tu tens medo de me perder e eu também tenho de te perder a ti, mas ouve, ou melhor sente, eu já não tenho medo de morrer. Sabes quando sentes que chegou a hora, quando sentes que estar aqui já não vale a pena, que mesmo que sobrevivas, já nada voltará a ser como dantes? Não, não sabes, porque não estas na mesma situação que eu. Quando tu me deixares partir, eu sei que vais sofrer, eu sei que todas as pessoas que me rodeavam vão sofrer com a minha ausência, mas não faz ou fazia, como queiras, parte dos meus planos ser uma Bela Adormecida, visto que eu sei, eu pressinto que não irei acordar deste sono, deste profundo coma. Por isso, como eu sei que o dia que tanto anseio está a chegar, pois eu sinto-o; quero, isto é, preciso que me oiças no teu coração, estás pronto?
Não esqueço o dia em que te conheci, pois nesse mesmo dia para onde olhava só via o teu rosto, tudo o que ouvia me parecia o timbre da tua voz, estava apaixonada. Desculpa, desculpa quando tu dizias que me amavas e eu não respondia, desculpa tudo o que disse e não disse, desculpa. Não vou pedir perdão pelos meus defeitos, pois querias uma rosa, tinhas de arcar com os espinhos.
Ah, desculpa também aquele dia em que tudo aconteceu, aquele em que me disseste para não sair de casa, para ficar a fazer-te companhia, mas eu sai, e fui atropelada. Não te sintas culpado, pois os azares acontecem e as vidas desaparecem.
Bem, chegou a hora, porta-te bem e não te esqueças que ainda vives, amo-te. Podes desliga-la.


MarisaF.

 
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MarisaF.
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Enviado por Tópico
Pedra Filosofal
Publicado: 06/10/2008 20:19  Atualizado: 06/10/2008 20:19
Colaborador
Usuário desde: 17/09/2007
Localidade: Barreiro
Mensagens: 1273
 Re: Ouves-me?
Realidade? ficção? o drama duma vítima de atropelamento que "assiste" à luta das pessoas que a amam, se a devem manter viva ou não... uma excelente reflexão, sem dúvida

Bem vinda ao lusos

Enviado por Tópico
TeresaMarques
Publicado: 07/10/2008 07:02  Atualizado: 07/10/2008 07:02
Participativo
Usuário desde: 20/08/2008
Localidade: Lisboa
Mensagens: 12
 Re: Ouves-me?
Momento introspectivo de extraordinária lucidez. Lembro Bocage: "Saiba morrer o que viver não soube!" Mote para novo texto a afirmação: "Tenho receio de mim"? :)