ZARPA… QUE INCOMODA!
(Rogério Martins Simões)
O que pensas quando estás só?
Que notícias trazem de ti as horas…
Por que suspendes os minutos
e desprezas os segundos…
Secundaram a tua imagem
numa versão de cárcere.
Que sabem de ti os amigos?
Que dúvidas escorrem
nos confins da tua mente.
- Mentias se falasses!
Por isso nada dizes
e o silêncio incomoda.
Morrias se ouvisses um grito!
Chorarias
se escutasses uma criança!
Que criança tem o teu coração?
Ainda, assim, escutas
o teu próprio silêncio.
Resta-te um velho cão…
Continuas só,
escutando nada!?
Lá fora uma multidão,
danada,
apedreja um ladrão…
À luz de uma velha cidade
florescem cimentos
e as gentes passam por edifícios
construídos nos penhascos dos lucros…
Parecem feras enjauladas
que se soltam
e percorrem na rotina
o caminho contrário.
Contrariamente à sorte
não se fala na mesma língua…
O regresso é o inverso e o verso
de uma partida desesperada…
A todo o tempo se remexe
em papéis,
em contas,
e se contam os tostões
para pagar as dívidas!
Que dívida tens para com a sorte
em teres nascido?
Zarpa que incomoda!
Resta-te um velho cão…
Andam aos tiros nas ruas.
Apontam as espingardas
às casas vazias.
Vivem agora nos fundos
a fugir às bombas.
Não oiço nada cá em baixo.
Não oiço nada cá em cima.
O hospital tresanda
a fétida melena
de sangue cozido pelo sol.
O sol não nasceu para todos!
Estendem-se redes pelos telhados
para aprisionar a luz.
Falta-me a lucidez!
Zarpa que incomoda!
Resta-me um velho cão…
O cão sacode a pulga
E a pulga regressa ao homem
de onde nunca deveria ter saído.
Na barraca, de tabique,
há sempre correntes de ar
e cheiros pestilentos
das canseiras.
No bidão improvisa-se um lavatório.
Emprenha-se um buraco…
e faz de latrina…
Ao lado, prego com prego,
cheira a catinga
E uma velha mulher canta
uma desconhecida
canção de embalar.
Todas as manhãs são escurecidas
com excrementos escorridos….
Cheira a merda!
Zarpa que incomoda…
Resta-me um velho cão…
Hoje não penso
nas quatro paredes
que me cercam.
Corri meus olhos numa cotovia
Que voava apressada...
Bateram à porta. Foi engano!
Lá fora, nas cartilagens da agonia,
há tanta luta!
Movimento as minhas mãos
E conforto o velho cão
Que não se mexe.
Sucumbia a uma lambidela...
Zarpa que incomoda…
Que sorte ter um cão por amigo!
Lisboa, 31/08/2006
Rogério Martins Simões