Porque quereria eu setecentos caracteres?
Porque quereria eu tantos caracteres?
Não sei se seria mais feliz com imensos caracteres
Ou até se teria mais carácter se tivesse setecentos caracteres!
E se fossem mil ou um milhão de caracteres?
Será que eu seria um deus ou o Olimpo inteiro?
E se eu for da raça de ter poucos caracteres,
Daquela estirpe dos cem ou seiscentos e noventa e nove caracteres?
Terei apenas direito à côdea dura e ao vinho azedo?
E porquê tantos caracteres se há tanta fome no mundo
E tanto sexo por fazer?
Será que setecentos caracteres serão a cura milagrosa
Das ausências de talento?
E que dizer daqueles que se bastam com trezentos
Ou quinhentos e dois caracteres?
Serão estes seres, fuzilados, enforcados ou gazeados?
Quantos caracteres exigiu Hitler aos judeus?
Quantos caracteres exigem os judeus aos palestinianos?
E Bin Bush quantos caracteres tem,
Quantos caracteres tem a estúpida guerra?
E a estúpida estupidez dos caracteres mede-se ao quilograma,
Ao litro ou ao metro quadrado?
E setecentos caracteres serão a besta negra do poeta,
A insanidade quadrada ou a redonda idiotice?
E Sophia, Pessoa, Natália, Florbela, Llansol, Almada ou Pessanha,
De quantos caracteres é feita a raça desta gente?
E Almada contou os caracteres ao Dantas?
E o sol brilha a quantos caracteres por minuto?
E quantos caracteres são precisos para escrever amor?
E a prata da lua é feita de setecentos caracteres,
Ou doutra matéria mais nobre?
E eu, eu que nem sei o que são caracteres,
Eu que nunca comi caracteres ao pequeno-almoço,
Eu que só quero é ser feliz e amar muito,
Eu que ainda um dia escreverei um poema,
Um belo e enorme poema
Um imenso poema sem caracteres nenhuns…
Eu que nasci para amar
Não quero ser mais importunado
Nem com sete nem com setecentos mil caracteres.
Eu vou ser feliz, ouviram-me?
Finalmente feliz, sem a porra dos caracteres
A azucrinarem-me os ouvidos.
Eu vou amar definitivamente
Definitivamente e sem caractere algum!
Dionísio Dinis