prometeu-me a morte como quem promete um sempre mesmo sabendo que nada é certo, do presente para a frente só habitam mãos de adivinhos e nós nunca pertencemos a essa parte avantajada do mundo. prometeu-me a morte na paz dos meus dias, um encosto às velhas memórias que a raiz do medo ainda ergue num tronco de árvore, duro e grosso. eu acreditei-lhe as falas maduras como a idade a correr-lhe entre as rugas na pele e, acomodada à falta que me fazia, atei algumas esperas ao ouvido do homem que me morreu. a morte do que amamos é o fim de um tempo, o fim de um mundo, o fim de alguma coisa que rói até ao osso, que puxa os nossos olhos para fora de órbita e lhes espeta os dedos, dói, há lágrimas que caem por todo o lado como o sangue parado num corpo morto. a morte do que amamos é a morte do que somos, de tudo o que fora de nós é e vimos morrer por nós abaixo tudo o que aprendemos, a postura, a coragem, a firmeza. somos cobardes quando alguém morre, somos como ratos escondidos nos seus próprios ninhos, à espera que a noite caia para procurar o queijo na armadilha, somos genuínos. a morte despe-nos e a nú somos perfeitos na imperfeição de tudo o que acaba, a morte veste-nos de outras roupagens, casacos armados da cintura ao pescoço, somos bombas em movimento, prestes a explodir. quando ele me morreu vi crescer dentro de mim um mar, um mar habitado por lágrimas que me ferviam pelo corpo todo e eu desfiz-me em sal e água.
. façam de conta que eu não estive cá .