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a fome dos bichos

 

e ao chegar o rosto comeu-me a casa que trazia entre os dentes, amordaçada. comeu-me a palha nos cabelos feitos de um apanhado tosco atrás, comeu-me os olhos quietos escondidos por uma pele fina, fechados como duas ostras, o rosto comeu-me a esperança, ainda que diminuta. e ao chegar perdi os pés no hall e as pernas caíram logo ali, o abandono foi lançado contra os meus braços onde a falta já há muito que se alojara e tudo foi, ainda é, de tão pequeno grande como os dias, como as horas no despertador, como o corpo deitado no meu colo. o corpo é grande como um sentimento, preso, atado às costas das mãos na chama que nos arde dentro, o lume de um cinzeiro apagado onde o cigarro vive os seus últimos dias, é tarde na mesa junto à janela, onde os teus pés reclamam os longos caminhos, é tarde no pó da fruteira em cima da mesa, onde frutos se decompõem entre formigas, é tarde no rosto que me come de tão comido, comido por pardais, por ratos, por baratas tontas a dançar na humidade das paredes. este é o quadro perfeito para uma canção de amor e morte, cantada no amanhecer de todas as vidas, silenciada na noite de um adeus último.


. façam de conta que eu não estive cá .

 
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Margarete
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 26/09/2008 11:09  Atualizado: 26/09/2008 11:09
 Re: a fome dos bichos
É impressionante a cadencia e a dinâmica que imprimes ao teu texto. A falta de parágrafos imprime-lhe um ritmo estonteante e sonoro.
Gostei muito
Beijo azul


Enviado por Tópico
jaber
Publicado: 26/09/2008 11:40  Atualizado: 26/09/2008 11:40
Membro de honra
Usuário desde: 24/07/2008
Localidade: Braga
Mensagens: 2780
 Re: a fome dos bichos
Que esse adeus seja finjido como a alma do poeta que eu adoro lêr-te.

Um beijo


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 26/09/2008 21:31  Atualizado: 26/09/2008 21:31
 Re: a fome dos bichos
quando paro e venho pra perto de vc, penso, 'agora é hora de arrancar a pele'. leio, leio muitas vezes, não para chegar à intenção da escrita, mas na intenção de absorvê-la, entranhar o que está dito. enfim, sem muitos meios eu digo que adoro porque me diz muito, muito fundo.
"o abandono foi lançado contra os meus braços onde a falta já há muito que se alojara e tudo foi, ainda é, de tão pequeno grande como os dias"

beijo, Mar