Era uma vez!
Uma, mil pouco importa quando se é!
Era, pois, uma vez, eu!
Do ventre de minha mãe fui arrancado por entre agua, sangue e humanidade
Gritando ao vento e á vida que ali estava, de sonhos carregado.
Que braços me abraçaram e olhos me olharam somente imagino
nos doces momentos quando de deleito
lembrando também o peito, onde chorava e me saciava.
Os olhos castanhos profundos que tantas vezes foram meu refugio!
Cresci, por vezes em sabedoria, por vezes em graça,
mas sempre em humanidade despreocupada
caminhado os faceis caminhos que á luz me conduziam
Cresci por entre campos e mar,
na cidade grande e na aldeia pequena
aprendendo segredos da terra escura
A mesma que reflectiam os olhos castanhos.
Cresci amando as cousas e os animais
aprendi da criação a irmandade oferecida
banhei-me em mil rios e ondas e assim me fui fazendo
homem.
Amores tive mais que a humana memória recorda
e pensei que guardava tudo num simples coração
Ah, doce ilusão de quem crescia.
Gerei vida por distração e amei-a por convicção
Fui bom e mau e tudo ao mesmo tempo
Crendo somente ser esse o meu destino.
Mas o abismo, para onde alegremente caminhava surgiu!
Do alto da vida e do riso caí!
Do alto, meu Deus bem do alto, rompendo-me em mim feridas
de humanidade acomulada.
Gritei bem alto por socorro e vi-me só
Da mesma solidão por mim cultivada em multidão.
A meu lado escorria o sange podre que me inundava.
Pouco a pouco lambi minhas chagas
Erguime do fundo onde jazia
e donde as rapinas aves esperavam já o festim final.
Ergui meus braços ao Céu
Os olhos castanhos de minha infancia
partido tinham já, outros me iludiam e me chamavam
sorrindo pela humanidade despedaçada.
Pouco a pouco, com mãos ferias e pés quebrados
me fui ergendo para lá das trevas da ravina
Pouco a pouco, com as forças que me restavam
subi a pulso minha humanidade
revi as farpas que me tilham flagelado
as mesmas com que no passado flagelei sem saber
Subi, cresci, gritei de uma raiva de medo e cansaço
Subi, cresci passo a passo espiando meus pecados
Curando minhas magoas e cansaços
Subi, cresci e cresço
Não mais olhos castanhos por mim reclamam,
Não mais um peito aberto onde descançar
mas com a alma toda em carne vida
Sei que cresço e me reconstruo
Sei que me torno Homem