Quando era miúdo ninguém dava nada por mim. Para além de não rivalizar com o meu irmão mais velho nem com os meus primos, em termos de esperteza infantil, era gordinho, baixinho e feinho, como a minha avó simpaticamente gostava de anunciar com o seu ar sofredor. O vaticínio familiar a meu respeito apontava para uma semelhança inegável com o tio avô Edgar, como se todos esperassem que que eu viesse a ser uma espécie de versão renovada daquele personagem apatetado que permanecera solteiro a vida inteira, e que apenas saira de casa dos pais quando estes faleceram, para ir viver com uma irmã viúva.
Para além do seu impressionante historial profissional – o auge da sua carreira foram uns biscates nas obras, e emocional – nunca se lhe conheceu uma namorada, o tio avô Edgar fora abençoado com um físico semelhante ao que eu então apresentava, mas em versão adulta. Todas estas vantagens acumuladas valeram-lhe a admiração dos jovens da aldeia, que num simpático gesto de reconhecimento escreveram no muro da igreja, para que todos os devotos chegassem devidamente inspirados à missa: “Edgar, gosto mais de ti quando estás de cu para o ar”. Era portanto uma perspectiva de futuro muito animadora para mim.
No entanto, as fortes previsões que me apontavam como um sério candidato a passar pela vida como uma inútil e infeliz batata com dois palitos espetados, foram desmentidas pelas surpresas da adolescência. O meu corpo passou então por um cruel processo de transformação, certamente orquestrado por alguém com um sentido de humor profundamente perverso (espero que não Deus). As minhas pernas, braços e tronco foram crescendo por fases, tendo o cuidado de nunca se encontrarem no mesmo estádio de evolução, por forma a não arruinarem o potencial catastrófico do processo. Como complemento, o magnífico efeito estético proporcionado pelas borbulhas de acne implacavelmente espalhadas pela minha cara era potenciado por um buço que hesitava em se transformar num bigode digno de ser removido e por uma maça de Adão assustadoramente protuberante. A minha timidez natural encontrou assim terreno fértil para lançar as suas raízes e florescer sem reservas no meu carácter introvertido. Nada como um aspecto físico digno de gozo para estimular as inseguranças latentes num espírito frágil e vulnerável.
Quando a metamorfose finalmente terminou, eu andava pelos 20 anos, tinha poucos amigos, nunca tivera uma namorada e a minha vida social era um deserto onde nem os camelos se aventuravam (a não ser eu próprio, e apenas por falta de opção). [continua]