Textos : 

vila verde é um ninho (texto do encontro)

 
 
pelas minhas contas é domingo e a tarde encolhe-se por entre as palhas de vila verde. vila verde é um ninho, um ninho do tamanho de um coração que bate entre ervas daninhas que no inverno a geada come e uma alameda de sonhos semeados em dias de vinho verde. há rostos familiares agora em mim pousados, há duas mãos a segurar-me como se estivesse prestes a cair, e estou sempre, há uma ou outra flor plantada no peito de um ou outro corpo lançado ao abandono, há corpos que me olham mas não me vêem e passar despercebida é um passatempo meu, um parar obrigatório às portas de uma passadeira num caminho de terra batida que dá para a minha casa. a minha casa é uma tapada com um poço, o poço em vez de água dá letras, letras que formam palavras num mundo de textos virados ao avesso, e o avesso não será o corpo a fazer o pino? calo-me. hoje por ser domingo é um dia triste e os corpos que me olham já devem ter cheirado a minha melancolia, há dias de acordares feios e há outros dias de dormires pesados como os passos que agora se ouvem por detrás do texto. o texto, este, podia ser morto agora com um ponto final mas sinto-me na ousadia de lhe não pôr termo, o fim antecipado das coisas pesa-me nos ombros e dobra-me as costas, sempre foi assim. daqui, de onde vos falo, vêem-se montes por detrás de montes a morrer nos montes que o horizonte dissipa, os montes escondem florestas em olhos atentos, despertos, com frutos silvestres a amadurecer nas horas. o relógio está partido e o tempo parou quando o pardal poisou as patas no ninho que é vila verde. é domingo e adormeço as lágrimas com uns viras do minho.

p.s. não estar aí. não estar em lado nenhum e ainda assim ocupar a ponte que liga os vossos olhos ao coração. deixar-me morrer na boca do homem que me lê e esperar que me leia devagar, como quem desfolha milho, esperar que em sussurro abrace o homem que sofre uma esclerose com um cigarro sentado à porta do 77; o nómada onírico que desce à génese; o homem que se enforca na oliveira do seu quintal e é testemunha da morte de maria cura; aquele que canta ao poema inútil um hino brasileiro; o outro que tem um cão que nunca ladrou ao vento; o homem que some por entre o nevoeiro e nunca diz adeus num sétimo vão; o menino freud que diz que não é poeta e escreve quase poemas; o outro que assiste ao encontro de uma ladra com um cão e sempre me chama matilde; a senhora dos sentimentos escondidos que me sabe doente; o que escreve para libertar personagens que não consegue ser; a psicóloga que faz do poema um objecto indirecto; a senhora dos vinhos que é uma das nove musas gregas; o MJMS que costuma escrever fotos em dias de alentejo; ao que escreve com um castelo em ruínas no coração e me ensinou montemor; e os outros, que agora se perguntam quem estaria eu a abraçar e a quem recomendo uma leitura mais atenta.

o texto que vos fala é deste mar salgado, à espera de um rio doce.
Margarete


. façam de conta que eu não estive cá .

 
Autor
Margarete
Autor
 
Texto
Data
Leituras
1340
Favoritos
1
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
18 pontos
10
0
1
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
gil de olive
Publicado: 23/09/2008 17:35  Atualizado: 23/09/2008 17:35
Colaborador
Usuário desde: 03/11/2007
Localidade: Campos do Jordão SP BR
Mensagens: 4838
 Re: vila verde é um ninho (texto do encontro)
Me prendeu do começo ao fim.Muito bem narrado, e me deixou com vontade de conhecer a Vila Verde!


Enviado por Tópico
Alemtagus
Publicado: 23/09/2008 20:59  Atualizado: 23/09/2008 20:59
Membro de honra
Usuário desde: 24/12/2006
Localidade: Montemor-o-Novo
Mensagens: 3408
 Re: vila verde é um ninho (texto do encontro) p/ Margarete
Faço minhas as palavras de mestre Gil de Olive. Nas tuas palavras Vila Verde fica ainda mais bela, pena minha a de não ter podido deslocar-me a este encontro.

Do Mar o seu (s)Al
Beijo


Enviado por Tópico
jaber
Publicado: 24/09/2008 15:17  Atualizado: 24/09/2008 15:17
Membro de honra
Usuário desde: 24/07/2008
Localidade: Braga
Mensagens: 2780
 Re: vila verde é um ninho (texto do encontro)
eu tb estive lá, a quem recomendas essa leitura atenta não sei, mas mais atento do que eu estive é dificil...que pena linda a tua, a da alma e a da mão...

Um beijo


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 24/09/2008 15:26  Atualizado: 24/09/2008 15:26
 Re: vila verde é um ninho (texto do encontro)
Estiveste connosco. Sabes disso.
O texto está muito bonito.
Um beijo meu que sei é de todos.


Enviado por Tópico
Pedra Filosofal
Publicado: 24/09/2008 15:31  Atualizado: 24/09/2008 15:31
Colaborador
Usuário desde: 17/09/2007
Localidade: Barreiro
Mensagens: 1273
 Re: vila verde é um ninho (texto do encontro)
Vila Verde teve encanto, teve partilha, escrita, leitura. Teve comida, bebida e canto. Teve guitarras, conversas e amizade. Acima de tudo teve amizade!!! E teve o teu abraço de mar. Porque estiveste lá.
Não te cales. Nem hoje, nem nunca. Não ponhas um ponto final.