Decidi que não vou odiar.
Não vou manifestar a desconfiança que mergulha na água cálida do meu acreditar. Não vou mudar.
Deixar de ser quem sou, deixar de gostar de mim. Deixar que se vá o meu eu arrastado pelas lágrimas que ainda choro mas que não regam as sementes que jazem a meus pés. Sementes que semeei. Colheita que se perdeu. Nada a fazer. Malditos corvos de quem não achou necessário colocar espantalho.
Não vou dar ouvidos às mensagens desavisadas que me chegam. Mensagens que provêm de pessoas inesperadas. Mensagens inopinadas e despropositadas. Outras, piores, revestidas de um carácter do qual escorrem laivos da mentira. E eu lido mal com a mentira. Venha ela de onde vier, esconda o propósito mais honrado ou o mais vil.
Mentira é mentira. Não me interessa a sua hipotética justificação.
Não vou mais insistir na procura de resposta, a apologia, em coração que não sente como o meu.
Nem obrigar os olhos a olharem-me ao mesmo tempo que a boca fala. Não vou, de novo, implorar, pedir, rogar. Não vou mais mirar o pedaço de papel que tenho em meu poder, assinado a trouxe mouxe, como tudo o que nele vem escrito. Felizes os que acreditam que a letra manuscrita ou impressa tem a força de um olhar. De um sorriso, ou de uma lágrima.
Vou arquivar as conversas na caixa do esquecimento, os beijos e planos na caixa do nunca deveria ter existido. Mas calmamente. Com jeito. Só assim sei se manterão lá dentro por tempo suficiente para que os esqueça.
Vou fechar ambas as caixas, lacradas e seladas, na cómoda que um dia escolheria. Um ano inteiro, arrumado, junto daquela peça feita em cacos que não consigo reconstruir mas que também não tenho, ainda, vontade de deitar fora. Junto com bolas de naftalina.
Decidi que não vou odiar.
Porque tal como o Amor o Ódio é um sentimento que se tem por quem merece.
Por quem nos merece.
Tudo o mais é farinha em saco roto que serviu para alguém amassar uma existência sem nunca ter tido a mínima intenção de a viver.