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O sonho...

 
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O sonho...
 

Não sabia há quanto tempo ali se encontrava… Perdera a noção do universo no instante de um fechar de olhos apagado de respirar… Seria tarde, talvez… Tarde? Tarde para quê…?!

Vasculhou no pensamento um resquício de lembrança do que havia por fazer…

As ideias, arrumadas a um canto, fugiam dos seus dedos agitados, olhando de esguelha, circunspectas… estavam bem ali, sossegadinhas, não queriam mais confusões…

A decisão, tremendo aflita, sem saber o que fazer, escondeu-se atrás de uma porta com receio de ser vista, não queria decidir-se ainda…

E a esperança nem deu por nada, hipnotizada por uns retalhos coloridos de sonho que descobrira entre as memórias amontoadas no chão da alma empoeirada… Era tão belo aquele sonho… Que cores tão vivas, tão alegres… “Quem o teria rasgado assim…?” - perguntava a si mesma sem perceber que falava alto…

Entre duas colheradas da mágoa com que alimentava a tristeza, respondeu-lhe a dor em lágrimas: “ Tu sabes muito bem quem estragou esse sonho tão bonito… Não te faças sonsa!”…

Emudeceu a esperança, estupefacta… “Sonsa, ela?! Pois se nem sabia de quem era o sonho, quanto mais…” .

Do outro lado do pensamento interpôs-se a voz potente da razão, irritada com os dramas daquela dor: “Não importa quem destruiu sonho: importa é se tem conserto.” .

“Sensatas palavras…” considerou a esperança sorrindo esperançada…

A decisão, ainda trémula e indecisa, aproximou-se curiosa… “E tem conserto?” – indagou…

A razão olhou-a de soslaio… Aborrecia-a a tremedeira daquela. “A ver vamos…” – respondeu enfastiada – “Tragam-me os pedaços do sonho…” – ordenou…

A esperança apressou-se a juntar todos os retalhos que encontrou e colocou-os ao lado da mesa, observando ansiosa…

Lá do seu canto lamuriava a dor entre soluços: “Não adianta! Estão desfeitos, estraçalhados…”.

“Cala-te! E deixa-me concentrar…” – vociferou a razão começando a dispor os bocados de sonho sobre a mesa, alinhados por tamanhos.

Enquanto isso a dor fechava os olhos, não queria ver o sonho reconstruído porque isso significaria ter que partir e ela não queria, estava muito bem assim, acomodada na vontade de sofrer…

A decisão apertava, angustiada, a mão da esperança, temendo que faltassem pedaços e o sonho não pudesse ser refeito e então teria que decidir-se forçosamente e ela não queria ter aquela dor irritante e intrometida por vizinha…

A esperança sorria, confiante… o sonho tinha que ter conserto, desse lá por onde desse, que um sonho jamais morre por muito que o esquartejem… um sonho vive além vontade sem perder de si mesmo a eternidade…

A razão dedicava-se agora, paciente, à difícil tarefa de unir com linha forte e em ponto firme os retalhos que alinhavara já nos lugares a que pertenciam. O sonho retomava forma, lentamente…

Rejubilava a esperança, vendo-o renascer… “Eu sabia! Eu sabia! - exclamava em incontida euforia…

A decisão parara de tremer, sustendo a respiração na ânsia de ver o sonho consertado… e a dor, essa encolhia-se ao canto, fazendo beiço, amuada…

A razão, alheia às manifestações em seu redor, persistia na sua tarefa, diligente. O sonho estava quase, quase reconstruído, cheio de alinhavos que lhe marcavam a textura em jeito de cicatriz, é certo, porém parecia completo…

“Ora vamos lá ver se consegui consertar o sonho…” – proferiu, finalmente, a razão…

De súbito um som agudo e insistente atroou os ares…

Esticou os dedos, devagar, tentando coordenar o pensamento… maldito despertador! Inoportuno, como sempre...


(Imagem de autor desconhecido com efeitos de editor by Zita...)
 
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LuaBandida
 
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Enviado por Tópico
Norberto Lopes
Publicado: 17/09/2008 15:45  Atualizado: 17/09/2008 15:45
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