Pé frio
Nunca ganhei nada de graça em minha vida. Será que é por falta de sorte, por azar ou por muita sorte. Nunca ganhei sequer um frasco de remédio do SUS ou da secretaria de saúde. Quando nasceu minha primeira filha eu trabalhava no sítio, mas mesmo assim paguei um jipe para levar e buscar minha mulher à maternidade. Todos os remédios paguei a dinheiro na farmácia. Nunca ganhei um litro de gasolina de qualquer político, candidato a cargos eletivos.
Às vezes por nunca ter ganhado nada de graça chego a me considerar um tremendo pé-frio. Nos bingos das quermesses nunca ganhei um frango assado ou um quarto de leitoa ou então uma cerveja ou refrigerante. Quando eu era adolescente participava dos joguinhos do coelho que havia nas quermesses, mas os números das casinhas em que eu apostava os coelhinhos jamais entravam. Nos joguinhos de argola ou tiro ao alvo que havia nos parques de diversão, não ganhei sequer um maço de cigarros. Quando eu saí de casa meu pai me deu um botijão de gás vazio e quando faleceu me deixou um alqueire e uma quarta de terra. Acho que foram estas as duas coisas que eu ganhei em minha vida. Mesmo assim não tenho nada a reclamar, pois tudo o que tenho foi fruto do meu trabalho que começou na lavoura antes de eu completar dez anos. No meu tempo de infância passei por muitas dificuldades financeiras e problemas de saúde. Dos vinte aos vinte e cinco trabalhei como professor morando no sítio e aos vinte e cinco anos foi para a cidade trabalhar em Banco. Com mais de trinta anos é que consegui fazer o curso superior. Mesmo enfrentando muitas dificuldades, depois de adulto nunca me faltou quase nada, consegui pagar o curso superior para os meus dois filhos mais velhos e também estou pagando para o mais novo que também já está trabalhando.
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