Uma mulher está sempre nua, perante o olhar de um homem. Nua, perante aquele que a souber ler para além dos poros e dos sinais dos tempos e no seu corpo, encontrar os traços da eternidade feita luz... E eu, hoje, estou nua sob esse olhar, como sempre estive sem o saber. É apenas mais um entardecer que agoniza perante os nossos olhos já cansados das palavras. Este silêncio de águas escavando os leitos da ironia. Esta luz do crepúsculo que te traz cavalgando no meu desejo de incomensurável azul: o céu transformado em nuvens, no algodão dos sonhos, desfiadas, dispersas, embebidas em fragmentos da nossa memória.
Frases, sintaxes, vogais inertes que a eternidade dos risos fixou no eco das planuras. Talvez tudo não passe de um mero exercício de estilos, e nenhuma ave se faça ouvir nos nossos silêncios, a não ser, a águia-real dos teus olhos argutos sobre a minha carne nua.
Talvez apenas te alimentes das vísceras destas estrofes sem rima, nem métrica, mas onde se encontram ainda os teus restos, os sabores das nossas manhãs, os cheiros das oferendas de mel e frutos secos, as cores como fragmentos de um infinito pessoal que suspendemos, quando o medo veio espantar as manhãs claras e fazer mais frias as noites do nosso quarto.
Sim, é certo, as paredes escorrem a humidade e o bafio da tua ausência, mas nelas escrevi o anagrama do desejo, o único possível quando te leio e quero mais e mais de ti... Quando as palavras adquirem a acutilância de espadas e é o silêncio, que se vem plantar mesmo ao pé da nossa árvore. Lembras-te? A árvore onde as primeiras palavras brotaram dos teus olhos e a tua sintaxe se plantou no meu seio?
Lembras o cisne que paira na memória e ainda hoje canta para nós sem morrer depois? O cisne da discórdia, imperando já nos sentidos, esta paixão insana que te quer meu sobre todas as coisas que o criador fez belas... Lembras-te quando me temias e depois me amavas em silêncio? Lembras? Aquele lugar só nosso, para onde me escapo quando o silêncio me esquarteja? Encontrei-te lá numa volta insuspeita do tempo. Não sei se me esperavas, ou se apenas te esperavas a ti. Mas estive lá e fui tua, docemente tua, sob os plátanos que albergaram o nosso amor...
E agora, meu amor, que diriam de nós, se soubessem a eternidade de cada pequena dobra do tempo, de cada letra, de cada metáfora plantada no deserto, de cada um dos sete segundos que levo a chegar até ti... Diriam que sou louca, porque esta sede não se mata de palavras, mas matará sim a novidade de cada manhã, se as palavras secarem...
Sei que as trepadeiras cobriram já o meu nome e o musgo se nutriu das palavras idas, mas os meus membros desfolhados, ainda ondeiam na dança inquietante de ti em feitiços e marés aluaradas. Estou nua sim, sob as carícias do vento, essa brisa aromatizada de rosas e de beijos, que é pulsão, que é prazer, que é o sinal orgásmico das tuas mãos suspensas de mim... E ainda não sei se esses doces gestos me chegaram trazidos por um qualquer vento distraído que ocasionalmente soprou nos meus sentidos...
Luz&Sombra