Contos : 

O Juá de Carlinda

 

-Toinho, que cabelo reco é esse menino?
-Foi Cazuza do Bitéu mainha, ele que fez! Me deu dois trocado mode eu cortá.
-Ô consumição da moléstia!!! E tu foste se vender por dois trocado, condenado?
-Tava precisando mainha, depois cresce, num sabe...
-Apois cresce também esse cascudo que já vou lhe dá, visse?
E Carlinda saía correndo atrás do moleque já tão acostumado a correr as léguas descalço pelo solo agreste, dando cavaco em pedregulhos e espinhos de mandacarú.
A mulher nunca pegava, mas fazia menção de ir para impor seu respeito.
A birosca ela levava com pulso forte e boa comida, treinou duas sobrinhas na arte de receber as pessoas, e ia levando a vida entre o trabalho duro e a esperança.
Aquela esperança dava-lhe uma alegria inconfessa,um frescor dos dias, nunca foi mulher de ir atrás dos homens, às vezes não conseguia evitar os agrados constantes, mas seu coração tinha dono, embora não fosse de trancar a cara.
E se perdeu o grande amor da vida para aquela estrada longa, não ia também sangrar o pulso nem botar a goela numa corda, como fazia um tipo de gente besta.
Mas aquele mascate tinha trincado o seu coração, e Carlinda sabia que o miserável era bem capaz de voltar um dia como prometera, por isso gastava seu descanso ali no tamborete debaixo do pé de juazeiro, olhando a bicha dá passagem para os carros...
Seu pai ensinou que o juá curava até doença ruim, lembrou do irmão de seu avô Biú que no ano de mil novecentos e quinze, bem desenganado pelos médicos da capital, com a tal tuberculose, voltou para morrer em casa, e de tão desleriado se embrenhou no meio do mato alto lá para os lados da serra, e vivia de comer juá e outros frutos brabos, quando pensaram que o homem estava morto, ele apareceu vivinho e curado da malvada.
-Ah, juazeiro que cura os males dos homens, traz aquele que levou o meu juízo para longe de mim...
Assim Carlinda passava as tardes serena e dengosa. E o menino zunindo como azougue em volta da árvore.
- Volta aqui, moleque!! Se pego , arranco seu couro...



Nina Araújo



O poeta Walmar Belarmino assim diz:
“CORAÇÃO DE POETA É TÃO SENSÍVEL,
TÃO SENSÍVEL DE UM JEITO IMENSURÁVEL
QUE CONSEGUE SENTIR O INAUDÍVEL
E BEIJAR COM LEVEZA O INTOCÁVEL
VER UM DEUS EM CADA MISERÁVEL
E CHORAR PELA DOR DE UM OPRIMIDO
MESMO ...

 
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NinaAraújo
 
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Enviado por Tópico
flavio silver
Publicado: 02/09/2008 16:38  Atualizado: 02/09/2008 16:38
Colaborador
Usuário desde: 24/09/2007
Localidade: barcelos
Mensagens: 1001
 Re: O Juá de Carlinda
olá nina, gosto do seu jeito de contar
a sua narrativa é aparentemente simplista, mas não!, ela é de quem já deu muito ao dedo a escrever.
bjs.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 02/09/2008 21:56  Atualizado: 02/09/2008 21:56
 Re: O Juá de Carlinda
delícia de conto, Nina, tanto na riqueza dos detalhes quanto na pureza das personagens simples da terra. adoro a sua linguagem. beijo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 03/09/2008 09:27  Atualizado: 03/09/2008 09:27
 Re: O Juá de Carlinda
Desde que li Zé Fez um Samba, que sempre a lerei.
Este conto traz a vida atrás. Seu maior valor.

Mais?

Um abraço.

Enviado por Tópico
elisabeteluisfialho
Publicado: 04/09/2008 12:19  Atualizado: 04/09/2008 12:19
Da casa!
Usuário desde: 01/07/2008
Localidade: Alcobaça
Mensagens: 464
 Re: O Juá de Carlinda
Sempre que lei seus contos, fico como uma menina deliciada a sorrir.Que saúdades de ouvir histórinhas...dá vontade de pedir:
- Conta mais...sim
Abraço amiga

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 06/09/2008 00:22  Atualizado: 06/09/2008 00:22
 Re: O Juá de Carlinda
Que língua maravilhosa.
Que conto, que texto tão bem escrito.

Belo.
Excelente.

DM

Enviado por Tópico
GlóriaSalles
Publicado: 06/09/2008 01:07  Atualizado: 06/09/2008 01:07
Colaborador
Usuário desde: 28/07/2008
Localidade: Flórida Pta-SP
Mensagens: 2514
 Re: O Juá de Carlinda
Todas as notas pra você, garota.
Um espetáculo de texto.
UmMe transportei ao passado, quando ouvia as historias de minha avó, adorei.
Parabéns.

Meu carinho
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