Crónicas : 

Em honra à Sta Preguiça

 
Agora que praia e sol s'acabaram, vamos lá trabalhar e endireitar a linha das costas que se entortou com essas coisas de chegar a casa tarde, aos esses.

O voltar à carga do trabalho, sentado ou de pé naquela máquina que é chata como tudo, ter apenas um intervalinho às dez e outro às quatro, é como as segundas-feiras, dá cá uma preguiça que nem vale a pena descrever para não maçar ainda mais.

A preguiça é algo que devemos estimar, pois é nossa, faz parte da nossa tradição, por conseguinte, devemos ter orgulho patriótico nela. É tão íntima que ninguém dispensa preguiça a ninguém, nem aos amigos. Cada um tem a sua. A minha surgiu de um contágio quando festejava um golo com a equipa feminina de andebol (treta!).

E por que não um feriado nacional em honra à Sta. Preguiça? Ou um minuto (à alentejano) de silêncio antes de cada reunião da assembleia?
Deste modo, não havia desculpas por estarmos quietos tal aquele homem-estátua que aparece no Largo do Porta Nova às quintas. Não que seja dia de feira, mas para demonstrar que, mesmo estar parado, exige alguma habilidade, um certo estilo intelectual. Ora reparem na cartimância de alguns vereadores camarários.

Não julguem que é fácil manter o corpo e alma nesse estado de moleza em que o coração agradece e o patrão refila! Isto de não fazer nada temos de erguer graças a Deus. Ele próprio dá o exemplo, mostra como se faz e, olhe o que acontece: enquanto Ele dorme, resultado: boxe sem regras por todo o lado.

Preguiça é o acto ou efeito de preguiçar, é um verbo conjugado sem limitações.
Eu por exemplo, como não tinha mais assunto para dizer, e já que o editor me paga na mesma, por que não relaxar um pouco dentro da minha crónica?, estender a toalha nas minhas palavras e deitar-me feito inglês debaixo de um sol abrasador que quando sai debaixo do sol, sai camaronês.

Claro que não me pode acusar de que aqui o je tenha um ataque de preguicite aguda. Que querem?, não me apetece falar de nada, não escrever puto, não comentar as olímpidas.
Pois, caso o fizer, terei como defesa que você estava a ler este texto, desperdiçando tempo, na condição de saber se a preguiça tem vale de desconto em um hipermercado.

Meu amigo (permita-me que lhe chame assim), as férias acabaram e, tanto eu como o meu pensamento, ainda estamos "para lá de marraquexe" a remover camadas de stress à base de abacaxis e goiabas.

Quero lá saber de medalhas ao peito, se a primeira liga arrancou com vestígios de favorecimentos ou se o partido em que eu votei (?) virou um poço de riscos de doenças cardiovasculares.

Não esperem que eu vos fale da bolsa de valores ou de corruptabilidades. Estou-me a marimbar para as notícias de todos os jornais, para as garinas que o C.Ronaldo juntou à sua coleção neste mês de Agosto. Não vou puxar pelos neurónios só porque tenho um grupo de activistas à espera para me criticar ou porque, olha lá a reputação! Pois já a minha tia Carminda dizia: reputações há muitas! Portanto, sofra com a sua!

Saiba vossa excelência que também eu tenho o meu direito a não fazer nada, nadinha. Dá-me a sensação de que foi isso que me ensinaram na escola.
Em consequência, o senhor tem a legitimidade de neste momento ir-se embora trabalhar. Atestar o depósito do carro com cinco dias de trabalho.

Mas pode ser que vá longe, pode ser, nesse seu passo descontrolado. Porque eu vou ficar aqui a derreter-me de preguiça, a contribuir para a fraca produção do país, a reinar com a pobreza, a divertir-me com os casos de polícia, a catar pulgas da memória, a ganhar barbela de tanto sofá!, a rir-me muito daqueles que querem comprar casa com salário mínimo! Empenhados até aos ossos!
Ehehe, afinal de contas, eu sou igual a muitos: um contribuinte mal amado!

A preguiça é uma mulher que vai com qualquer um, pelo menos é o que tenho visto. Os cafés estão cheios, as discotecas pum pum pum, a abarrotarem, os parques de diversões, iupiiii, os centros comerciais mais parecem tendas de circo montadas num pinhal com toda a gente a lançar moedas ao precipício. Logo, a preguiça deve ser tratada com respeito, com diplomacia, com a esperança de um dia ser autênticada em praça pública.

Quem quiser que trabalhe que eu não sou p'raí chamado, alguém gritou.Praticar a lei do menor esforço tem os seus resultados, basta reparar naqueles tipos bem equipados, com ar de tirolês, que vão nas caravanas numa expectativa de que lhes toque uma boa bucha. Boas limusines, boas jantaradas; é a prova que o suor do trabalho não faz render pilins.

Sonho porque me obrigam a sonhar. Acordem-me só quando o mundo descarrilar! Até lá vou ficando por aqui, nesta bagunça de calmaria, a ver as crianças a (de)crescer, filadas que a esperança lhes saia nas embalagens dos cereais, a ganhar estrabismo ao ver homens(?) em lutas desiguais, etc.

Meu caro não pense nisso, depressões pós-férias todos nós temos, há que aguentar e lavar de novo a cara, porque a vida, é esta, não tem mais nenhuma, por isso, se quer um conselho de um teórico dos calhaus, deixe a vida rolar! Mas atenção, cuidado com os excessos!


p.s. esta crónica faz parte de uma rúbrica que eu publico no jornal a voz do minho com o título:Teoria dos Calhaus.
esta sai aqui antes do jornal (amanhã).

visite:
www.teoriadoscalhaus.blogspot.com
 
Autor
flavio silver
 
Texto
Data
Leituras
1239
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
16 pontos
16
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
Tânia Mara Camargo
Publicado: 02/09/2008 13:44  Atualizado: 02/09/2008 13:44
Colaborador
Usuário desde: 11/09/2007
Localidade:
Mensagens: 4246
 Re: Em honra à Sta Preguiça
Querido amigo, estive ausente todos os Lusos me fizeram falta. Fo um castigo ficar sem net, mas
volto e mais uma vez estou a apreciar teus esritos.
Beijos!


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 02/09/2008 14:26  Atualizado: 02/09/2008 14:26
 Re: Em honra à Sta Preguiça
Isto de ler a afamada crónica de Flávio Silver Lopes antes da edição em papel, é coisa grave de amor ao site.
Envio-te por isso as melhoras, fazendo votos que te vás lembrando de mais coisas destas.
Quanto à teoria em si, desmonto-a logo à noite no tal jantar poético para o qual fomos intimados.
Teu amigo de saca-rolhas em punho:
Zé do presunto


Enviado por Tópico
Alberto da fonseca
Publicado: 02/09/2008 15:57  Atualizado: 02/09/2008 15:58
Membro de honra
Usuário desde: 01/12/2007
Localidade: Natural de Sacavém,residente em Les Vans sul da Ardéche França
Mensagens: 7080
 Re: Em honra à Sta Preguiça
Amigo Silver:
Há coisas que não compreendo, como é que se defende ferozmente a preguissa e se faz um texto tão longo?
Neste caso deve de estar em contradição.

Estou de acordo consigo, ponto por ponto.
Eu nasci a um domingo, logo, dia de descanso, em seguida 31 de janeiro, nessa época feriado!
Como querem que eu goste de trabalhar?
O culpado foi quem inventou o descanso.
E como dizia Coluche, o trabalho é uma doença, se não, porque é que existe a medicina do trabalho?


Bom, fico por aqui... já estou cansado.
Abraço amigo
A. da fonseca

P.S. Não seja ciúmento do Cristiano! Eu até para s garinas, já estou cansado!


Enviado por Tópico
Tália
Publicado: 02/09/2008 16:26  Atualizado: 02/09/2008 16:26
Colaborador
Usuário desde: 18/09/2006
Localidade: Lisboa
Mensagens: 2489
 Re: Em honra à Sta Preguiça
Olá rapaz

tive o prazer de oferecer aqui um almoço nas caves a gente da tua terra, que por acaso te conhecem e não é por seres preguiçoso não...

uma crónica espectacular para se ler ao fim de um dia de trabalho, sem preguiça

Beijos



Enviado por Tópico
HorrorisCausa
Publicado: 02/09/2008 17:28  Atualizado: 02/09/2008 17:36
Administrador
Usuário desde: 15/02/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3764
 Re: Em honra à Sta Preguiça
" Rentreé" é uma violência, ainda mais, que quando chegámos à carga, perguntamos por cicrano e fulano e estes ainda estão de férias, o tempo ainda convida para umas boas espreguiçadelas e nós...escravos lá temos que nos esforçar mais ainda para manter um sorriso de quem está feliz da vida.

Eu gosto de preguiça e a preguiça gosta de mim(é uma certeza). Minha mãe sempre me dizia: Maria larga a preguiça. Tentava e ainda hoje tento larga-la, ela não me larga e quando olho para ela, bem, é tão ternurenta aquela animalzinha e ficámos as duas a preguiçar.

A ideia de instituir o dia nacional da preguiça,devo dizer.te que a reinvidico de minha autoria, acontece que por preguiça não a proclamei, não a levei à assembleia, mas quero crer que no meio da tua tão proclama preguiça, possas fazer um intervalo de modo a que eu possa preguiçar melhor, mas com o estatuto de legitimidade assegurada.

Obrigada por tão preguiçoso texto...pelo convite a estender-me nele.

A todos os momentos de preguiça arduamente conquistados.




Beijo


Enviado por Tópico
Julio Saraiva
Publicado: 03/09/2008 20:49  Atualizado: 03/09/2008 20:49
Colaborador
Usuário desde: 13/10/2007
Localidade: São Paulo- Brasil
Mensagens: 4206
 Re: Em honra à Sta Preguiça p/flavio silver
eu diria que esta sua crônica é uma pérola, porque exalta a preguiça, esta maravilhosa entidade que desde o berço me guia e conduz aos caminhos mais imprevistos deste mundo de meu deus. o poeta mario quintana, por certo outro seguidor e devoto desta santa preguiça, até a homenageou em um dos seus livros - "Da Preguiça como método de Trabalho". Pois, olhe Flávio, a preguiça é irmã gêmea da criação. penso até que a igreja católica, que coloca tantos santos em seus altares, devia mesmo canonizar santa preguiça e dar-lhe um, não, mas vários dias de festa em seu calendário litúrgico.

abração, amigo.

júlio


Enviado por Tópico
Carolina
Publicado: 03/09/2008 21:11  Atualizado: 03/09/2008 21:22
Membro de honra
Usuário desde: 04/07/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3422
 Re: Em honra à Sta Preguiça
Depois das festas badaladas de Verão, do bronze e das noitadas, de dar alento à nossa amiga, eis que chega the end...
Agora, vamos dar descanso à preguiça e voltar a bulir e tu escreve pois é para isso que te pagamos, aqui no luso, eu inclusive.

Gostei de me espreguiçar no teu texto.

beijo