Contos : 

O Vento de Duda

 
(com meu grande amor por Manoel de Barros)


Essa fama que algumas crianças têm de um doce aluamento, traz certa vantagem na vida. Assim fazia Duda Formigão de forma aluante, enquanto empilhava as pedras “de virar vento” lá no quintal da casa da avó.
Para o mundo de gente grande, todos os meninos tinham um nome e, às vezes, um apelido simpático, por isso ele usava o Duda de Eduardo, todavia, tinha negociado a custa de vinte e quatro horas fingindo-se de mudo, a alcunha de Formigão acompanhando o Duda, e não admitia quem lhe chamasse de outro que não fosse Duda Formigão.
O motivo do nome talvez fosse o gosto demasiado pelos doces, mas decerto era também porque gastava muitos momentos das férias de criança, absorto com os primos, na tarefa de carregar e armazenar as coisas que seriam de muita utilidade no inverno, como se isto existisse por aquelas bandas tropicais...
Voltando ao vento, é preciso dizer, que este era seriamente provocado, pela ajuda concentrada dos garotos que no dia de chamá-lo seguiam um ritual com muitos detalhes e os adultos não podiam participar da ação, embora pudessem ver os resultados que às vezes deixava alguns boquiabertos. Como por exemplo a vizinha da direita,dona Lazinha, que um dia teve de tirar apressada as roupas do varal com medo que elas voassem mesmo. E quando o marido perguntou o porquê da correria, ela não titubeou- É o Formigão de dona Júlia fazendo vento, bem...! Ô menino danado aquele, parece filho de índio!
Mas sobre a missão , quando acontecia era pelas três da tarde, hora em que os avós dormiam o soninho do almoço. Da varanda eles iam para o quintal e colocavam as pedras amontoadas de forma circular e faziam uma pequena roda onde já concentrados pediam que elas voassem com calma ou insistentemente conforme o movimento que elas fizessem, com algum tempo depois do chamamento os meninos juravam que elas voavam em ritmos cada vez mais forte acima de suas cabeças, e tal um dínamo lá do alto, muito além da casa e das árvores começava um grande vento que se espalhava para todos os lados.
Naquela tarde com receio de que houvesse uma tempestade já que o vento zunia, dona Jandira interrompeu a sessão cautelosa:
-Duda Formigão, meu filho, venha comer um bolo de chocolate com amêndoa que mainha acabou de fazer para vocês, venha...
-Não posso mainha, não vê que tenho de despedir o vento senão ele foge.
-Sim mas faça isso agora porque tem suco de manga doce também filho...
-Suco de manga é?
-Sim querido!
-Sim mainha, já vou despedir o vento! A senhora podia fazer o favor de soltar o grilo que prendi aí na caixa em cima da cadeira de vovó?
-Claro.Mas por que o prendeu?
-Para que ele ficasse a salvo do vento, mainha, ôxi!!
-Claro querido, só podia ser isso...
Dessa forma mais uma tarde era vivida na companhia de Duda e seus agitados dias de férias e aventuras até a volta para a cidade. Quando então deixava por lá o seu rastro inesquecível...



Nina Araújo





O poeta Walmar Belarmino assim diz:
“CORAÇÃO DE POETA É TÃO SENSÍVEL,
TÃO SENSÍVEL DE UM JEITO IMENSURÁVEL
QUE CONSEGUE SENTIR O INAUDÍVEL
E BEIJAR COM LEVEZA O INTOCÁVEL
VER UM DEUS EM CADA MISERÁVEL
E CHORAR PELA DOR DE UM OPRIMIDO
MESMO ...

 
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NinaAraújo
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 30/08/2008 17:43  Atualizado: 30/08/2008 17:43
 Re: O Vento de Duda
Nanda,
Lindo o conto e bem de acordo com o homenageado.O surreal é apenas a criatividade em movimento:isso teu texto tem de sobra.
Bjins, Betha.


Enviado por Tópico
Katrine
Publicado: 30/08/2008 18:59  Atualizado: 30/08/2008 18:59
Participativo
Usuário desde: 30/08/2008
Localidade: Sintra
Mensagens: 15
 Re: O Vento de Duda
Gostei muito do seu conto. Cativante e entusiasmante a forma como desenvolve a narrativa...