Crónicas : 

O VERDADEIRO AMOR DA MINHA VIDA

 
O VERDADEIRO AMOR DA MINHA VIDA

Tinha eu meus dezessete anos quando encontrei o grande amor da minha vida.
Eu, terminando o curso técnico. Ela, cursando magistério. Foi o clássico amor à primeira vista. Intervalo no cinema; entre as duas sessões da matinê, curtimos pipocas, dropes e um milhão de coisas em comum. Nossas almas gêmeas souberam no primeiro instante que tínhamos sido feitos um para o outro e o outro para o um.
Seis meses depois, casamos. A contragosto de todos os nossos pais. Foi uma grande paixão. Brigamos com o mundo e decidimos transformá-lo com nosso amor. Nada que alguém à nossa volta fizesse nos separaria. Estávamos eternamente apaixonados e viveríamos apenas de nosso amor.
Um ano depois, estávamos separados.
Aquele ainda não foi o verdadeiro amor da minha vida.
Quando finalmente terminei a faculdade, fui escalado para um plantão onde trabalhei com o maior amor da minha vida. As madrugadas na emergência nos deixaram cada vez mais próximos. Em pouco tempo ela fez a mudança para o meu apartamento.
Entre suturas, transfusões e óbitos chorosos, passamos muitos anos perfeitos.
A minha promoção, o consultório particular e os cursos no exterior a fizeram voltar para casa dos pais.
Aquele ainda não foi o verdadeiro amor da minha vida.
Dizem que muitas pacientes se apaixonam por seus médicos. Às vezes o inverso também acontece. Conheci o melhor amor da minha vida durante um exame de rotina (para ela) onde me pareceu adivinhar que ali estava a mãe de meus dois futuros filhos. Terminamos de criá-los nas vésperas da minha aposentadoria.
Como já não tínhamos mais nenhuma obrigação em comum, fomos cada um para o seu lado.
Aquele ainda não foi o verdadeiro amor da minha vida.
Mesmo porque ela sempre soube do romance que vivi com minha secretária por longos anos. Minhas escapadas discretas não afetavam o relacionamento formal e decadente que vivemos. E eu pude me extasiar no mais louco amor da minha vida.
Mas a amante não se contentou em ser a outra por todo tempo. Tive que optar entre a solidez do lar e a felicidade ocasional. A secretária foi trabalhar na Bélgica.
Aquele também não foi o verdadeiro amor da minha vida.
O terror da maturidade me fez cair nas garras da ilusão de viver um amor que não tive na juventude. A menina me fez esquecer que poderia ser minha filha (talvez até neta) me levando a prazeres carnais que pensara não ser mais capaz.
Mas claro que a primavera de sua vida não faria simbiose com o outono da minha por muito tempo. Aquele ilusório amor só durou até ela encontrar alguém com vigor mais de acordo com toda a vida que teria pela frente.
Aquele ainda não foi o verdadeiro amor da minha vida.
Ano passado, cansado de fazer nada, comecei freqüentar os bailes da vida. Tudo que um senhor da terceira idade tem direito. Bailões, bingos, boates de terceira categoria, e alguns inferninhos que outros aposentados fizeram questão que eu conhecesse.
Nem lembro em qual desses lugares encontrei uma senhora que me confidenciou ter tido uma vida fugaz e medíocre. Com uma vivência tão parecida, só poderia ser minha cara metade, fora do meu convívio por toda minha existência.
Nós combinamos em quase tudo: nossos gostos, nossas implicâncias, e até os livros que preferimos são os mesmos.
Agora sim, encontrei o verdadeiro amor da minha vida.
Até porque, acho que não me resta tempo para tentar outra vez.

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Ricardo Porto

 
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RicardoPorto
 
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