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Tenho uns beijos no cesto

 
Pois é, tenho uns beijos no cesto que anseiam por saltar e vaguear por aí, de olhos fechados e com sorrisos de felicidade.
Eles procuram quem os queiram, não gostam de estar fechados em gavetas nem em guarda-fatos com bolas de naftalina, devido à alergia ao tempo.
São beijos sentidos e devem ser tratados com cuidado, pois podem rebentar no rosto de quem se acerca deles.
É certo que a validade não é muito prolongada, pois o reumático assola à madeira e estes ficam presos, com os olhos em riste, mesmo massajando a zona afectada, o resultado nem sempre é o desejado.
No outro dia um caminhava desengonçado e não teve um final feliz, deu de caras com um rosto que o maltratou, levantou-se triste e voltou para casa, cabisbaixo, onde o esperava uma cesta cheia de sentimento, já foi tratado e está bem de saúde.
Depois desse incidente, estão todos presos a sete chaves e só saem com garantia de não tropeçarem no primeiro pilantra que aparecer.



Carolina

 
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Carolina
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Enviado por Tópico
Julio Saraiva
Publicado: 16/08/2008 18:02  Atualizado: 16/08/2008 18:02
Colaborador
Usuário desde: 13/10/2007
Localidade: São Paulo- Brasil
Mensagens: 4206
 Re: Tenho uns beijos no cesto p/Carolina
Carol,

Coisa tão doce, tão pura e tão singela, só podia mesmo ser um beijo. Delicadíssimo.

um beijo, tá?

júlio


Enviado por Tópico
NinaAraújo
Publicado: 16/08/2008 18:03  Atualizado: 16/08/2008 18:03
Da casa!
Usuário desde: 19/05/2008
Localidade: Rio de Janeiro
Mensagens: 264
 Re: Tenho uns beijos no cesto
MARAVILHOSO! Clap,clap,clap,clap!


Enviado por Tópico
MariaSousa
Publicado: 16/08/2008 18:07  Atualizado: 16/08/2008 18:07
Membro de honra
Usuário desde: 03/03/2007
Localidade: Lisboa
Mensagens: 4047
 Re: Tenho uns beijos no cesto
Este texto, só pela originalidade, já merecia um prémio.
Como não tenho prémios para dar, dou-te um beijo e recebo em troca esse que voltou triste para casa. Pode ser?

Gostei mesmo muito!

Bjs


Enviado por Tópico
flavio silver
Publicado: 16/08/2008 18:19  Atualizado: 16/08/2008 18:19
Colaborador
Usuário desde: 24/09/2007
Localidade: barcelos
Mensagens: 1001
 Re: Tenho uns beijos no cesto
e eu sou o lobo mau!!!

gostei bastante.
beijos com garantia vitalicia


Enviado por Tópico
Maria Verde
Publicado: 16/08/2008 19:26  Atualizado: 16/08/2008 19:26
Colaborador
Usuário desde: 20/01/2008
Localidade: SP
Mensagens: 3489
 Re: Tenho uns beijos no cesto
Oi Carolina!

bem singelo, teu texto.
e gostoso de ler. adorei!

Maria Verde


Enviado por Tópico
Nanda
Publicado: 16/08/2008 20:27  Atualizado: 16/08/2008 20:27
Membro de honra
Usuário desde: 14/08/2007
Localidade: Setúbal
Mensagens: 11099
 Re: Tenho uns beijos no cesto
Carolina,
Lindo este teu texto. Bela prosa poética. Tem gente que não gosta de carinho o que se há-de fazer, por certo é recalcada e infeliz.
Para ti, Carolina, um beijo, grande, do tamanho do mundo.
Nanda


Enviado por Tópico
Bruno Sousa Villar
Publicado: 16/08/2008 22:02  Atualizado: 16/08/2008 22:02
Da casa!
Usuário desde: 09/03/2007
Localidade:
Mensagens: 429
 Re: Tenho uns beijos no cesto
Que coisa delicadíssima,sra. C. .

Em jeito de acrescentamento à matéria oscular,deixo um texto recentemente lido muito apreciado por mim :

O beijo de um académico em Paris.


O beijo é talvez uma matéria antiga.
Assunto de poesia contemplativa,
bom para versos parnasianos. Uma flecha,
o tímido clangor, a vibração do arco,
sílaba, medida, questão de técnica, afinal.
Há uma grande literatura, arrumada,
sobre a melancolia do beijo: amantes
que se arrastam no meio das pontes,
palavras sérias, despedidas, mal-estar,
quartos de hotel, um espelho, a luz,

e Paris, as cidades onde outros beijos
foram famosos, Veneza, Praga, Florença.
Os académicos flutuam com saudades
desses beijos de Paris, lânguidos ou
a preto e branco, desbotados, cheios
de literatura, de espuma e de eternidade:
sombrio retrato do beijo, entre legumes
dos mercados e estátuas dos palácios,
penumbras das praças, empedrados
onde alguém acena com um lenço.

Estranha dívida da imaginação, questão
de técnica, afinal: havendo cenário,
então há um beijo, entre muros e rosas;
os amantes merecem esse entardecer,
nenhum outro beijo é tão nostálgico como
o beijo que nunca aconteceu, perdido
no meio de um livro, como uma gardénia
entre chilreios neoclássicos, aflorada,
desfolhada, morrendo devagar, apenas
uma imagem dramática, aprendida de cor.

Simples amor europeu, como escrevem
os querubins, doentes de má bibliografia,
tingidos de palidez, temendo a ironia.
“Ali nós estávamos cercados, era o Maio
de sessenta e oito, acabávamos de inventar
o mundo.” J’aime votre librairie, madame.
O primeiro beijo, aquele mais clandestino,
aconteceu entre as estantes de psicanálise
e restos de filosofia, tudo matéria nobre,
como o beijo. Questão de técnica, afinal.

Como uma mancha na memória, esse beijo
de Paris – com tradição, prefácio, notas,
livros, distinção, adultério, casas vazias
anoitecendo em bairros perto do Sena,
discos da Greco, baladas, despedidas,
comboios no meio do Outono, sufocantes.
Talvez fique apenas um retrato, um veneno,
uma revolução reconciliada com os deuses,
um rasgão na camisa, uma memória onde
tudo apodrece, devagar, no meio da febre

ou daquela solidão que destroça a vaidade.
Ah, como nós éramos revolucionários,
como o vinho e os livros eram tão franceses,
como o mundo tinha coisas tão fantásticas,
mulheres abandonadas, filhos aqui e ali,
chuvas, e uma pátria onde se podia regressar,
relâmpagos, canaviais, enredos, infortúnios,
segredos, telhados de Paris a meio da tarde,
esplanadas onde os filósofos adormeciam
– bêbedos e consentidos, murmurando

desculpas e vagas propostas de equilíbrio.
Questão de técnica, afinal, como as coisas
que agonizam no meio, bem no meio da vida.
Sereníssimo beijo académico, saudade
de como o mundo era perfeito, falado em
francês, sem escuridão, calafrio, ou a ironia
dos descrentes. Eram dentes assim, levemente
manchados pelos Gitanes, línguas pequenas,
cheias de pudor a princípio, uma gota de suor
no decote (faz calor em Paris durante o Verão).

Tudo o resto, ou quase, era literatura, árdua
e elíptica, obscura, dissolvida e depois escrita
no meio de incêndios, cheia de jogos e sinais,
como um beijo que interrompe a cegueira
numa esquina do Sena, numa ponte humedecida,
num sótão cheio de cadernos e de vinho barato.
Coisas românticas. Vulcões abertos sobre
a vida inteira. Negrume de vinganças tardias.
Inquietações, velhos retratos do Che, coitado,
autoridades, clérigos, melancolias e suspiros.

Talvez seja da altitude; as livrarias de Paris
ficam acima do nível das águas do mar,
mas não tanto, afinal. As universidades também.
E as ruas do Quartier Latin, ensombradas
por tanta melancolia, lua-de-mel, passeios
no meio da chuva, abrigos de amantes nos livros,
fraquezas espirituais. Pequenas cedências
começam aí, quando se perde uma namorada
que não sabe o nome dessas ventanias,
tudo por causa dos livros e do lixo de Austerlitz.

Muitos anos mais tarde, olhando a sombra
sem olhar a sua morte: a vida é um monólogo
cheio de literatura, remorsos, coisas perdidas,
textos sagrados, obra irrelevante, implorando
saúde e reconhecimento. Ah, o verdadeiro beijo
(questão de técnica, afinal) só existe em Paris,
pobre beijo a preto e branco, aristocrático, triste.
O sopro da humanidade não interessa; apenas
vagamente existe em redor, empurrado
pela vileza, negligente, cheio de más traduções.

Francisco José Viegas

In Se me Comovesse o Amor. Quasi, 2007.

Beijo (que cliché) : )


Enviado por Tópico
Amora
Publicado: 16/08/2008 23:56  Atualizado: 16/08/2008 23:56
Colaborador
Usuário desde: 08/02/2008
Localidade: Brasil
Mensagens: 4705
 Re: Tenho uns beijos no cesto
Adorei isso!!!

O pilantra é sempre o primeiro a aparecer.

Beijinhos

Amora


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 17/08/2008 00:01  Atualizado: 17/08/2008 00:01
 Re: Tenho uns beijos no cesto
Adorei o inusitado do seu cesto de beijos. Há que cuidar muito bem deles. Coisa fina apenas para quem merece. Irreverência e delicadeza, tudo junto e muito bem colocado aqui.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 17/08/2008 00:29  Atualizado: 17/08/2008 00:29
 Re: Tenho uns beijos no cesto P/CAROLINA
ESTIMADA AMIGA E ILUSTRE POETISA CAROLINA.

LENDO SEU BELO POEMA, SENTI ESSES BEIJOS VOAREM NOS CÉUS DESSE MINHO LINDO MARAVILHOSO, PROCURANDO UM ABRIGO, UM LOCAL ONDE POSSAM ATERRAR EM SEGURANÇA.

OS LANCE COM CUIDADO, PARA NUNCA MAIS PELINTRA ALGUM OS POSSAS DELES USUFERIR.

OS LANCES COM AMOR E CARINHO HAVERÁ SEMPRE ALGUÉ, QUE OS RECONHERÁ COMO COISA BELA, COMO BELA É A SUA PESSOAS E ENTÃO AÍ SERÁ FELIZ, ESTE MEUS SINCEROS VOTOS.

UM ABRAÇO AMIGO