Quando o silêncio descansou e o tempo voltou ao seu estado normal, a minha natural preocupação chamou pelo Professor; olhei à minha direita e vislumbrei o outro bravo bretão encostado entre os olhos flamejantes do meu fiel amigo e as adelgaçadas silvas, que aos poucos lhe aguçavam as costas e o espírito… O Professor José Hermano Saraiva propôs uma inteligente concórdia aos impertinentes paladinos e, finalmente, um casal de perdizes felicitou a vitória da paz, com um voo repentino e apaixonado, como quem aclama a capitulação das disposições primárias e irracionais, enquanto os dois bravos cavaleiros concordaram caritativamente, e se sumiram na direcção da Cova dos Ourives...
Prosseguimos em silêncio pelo ligeiro declive, que nos levou até à Estalagem da Foupana, onde nos esperava um merecido descanso e a cordial companhia nos nossos amigos, Álvaro Gonçalves e Fernão Lopes… Lavámos a alma e as tormentas numa nascente cristalina que provinha de dentro de uma moita de densos carrascos, e com a tarde a avançar ao ritmo dos nossos passos, continuámos pelos campos abertos dos Arcos, entre a verdura das searas, o céu matizado de azul e cinzento, e o constante aroma dos poejos, até à majestosa estalagem da Foupana.
O cheiro do pão quente, vindo de um forno situado à entrada do casario, contrastava com o vinho armazenado no estômago e na cabeça de quatro campaniços, que se ofendiam e desafiavam sucessivamente para escusados duelos. Mas a argúcia e a destreza do Professor José Hermano Saraiva, findaram as desavenças e, finalmente lá passámos as imponentes ombreiras de uma porta que nos convidou a entrar e a descontrair dos fatídicos momentos daquela tarde de Abril de 1383.
O Professor galgou solenemente o portado e sussurrou-me baixinho – “Vais conhecer a menina Natividade!”
As palavras são os olhos da alma...