Quem se aventurou por algumas leituras sobre temas económicos, certamente conhece o título acima, “A riqueza das nações”, como a obra mais famosa de Adam Smith e não deixará de se recordar da metáfora a que está associada : -“mão invisível”.
Extrapolando esta metáfora para um âmbito maior que o económico, tenho por quase certo que, em rigor, existe uma espécie de “mão invisível” que nos encaminha, nos direccionada, para esta ou para aquela vereda ou via aberta de uma estrada, a estrada da vida.
Quem me lê, saberá por certo que não sou dada a crónicas, talvez porque me falte alguma capacidade de síntese e, as palavras se me embrulhem sempre em redundâncias “poéticas”. Todavia, existem momentos em que me dou conta duma espécie de necessidade estranha de partilhar o que me vai em mente. Para além do grupo dos que me rodeiam (famílias, amigos mais próximos). E este é um desses momentos.
A “Riqueza das Nações” que aqui vos deixo é, pois, uma crónica de um dia real, de um tempo real.
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Maggen chegou. Esperava-a no aeroporto sem estar certa de que a iria reconhecer. Vira-a apenas uma vez em Boston em Outubro passado quando visitei a minha filha. Estivéramos escassos minutos com ela, e, para além disso, vira algumas fotos. Da amizade que entre ela e a Rita, minha filha, nascera numa convivência diária, em partilha de casa, no âmbito do estágio que ambas efectuavam no Instituto Oceanográfico de Boston, surgiu o convite para que nos visitasse no Verão. Os meandros da visita foram acordados entre ambas. A mim, cabia-me a tarefa de tornar do ponto de vista logístico e afectivo, a sua estada tão agradável quanto possível. Seriam dez dias repartidos entre a morada de família nos arredores de Lisboa e, a casa de praia, em Peniche.
Rita trabalhou o programa de visitas na cidade. A determinada momento vi-me incluída no programa. Se estava de férias, poderia acompanhá-las. Confesso que hesitei: o que faria uma mãe “cota”, junto de duas jovens, perfeitamente autónomas, perfeitamente adultas, pela cidade? Rita, nem admitiu recusa:- Vais sim, mamã. Está decidido! Vais!
Fui. Desde o aeroporto, até ao dia de ontem, em que Maggen partiu de regresso a casa, desde que chegou, estabeleceu-se entre nós uma “química” de mãe/filha. Maggen adoptou-me, e vice-versa. Se, nalgum momento, as não acompanhava, Maggen queria saber porquê. Se me via mais calada, inquiria porquê. A dado momento, num dos dias em que a minha saúde não me deu paz, Maggen, disse uma frase que jamais vou esquecer: - “numa casa, quando a mãe não está feliz, não está bem, ninguém está bem…”. E, ela, Maggen, porque me viu mal, não estava bem… percebi. Maggen tinha genuíno interesse pelo que escrevia, queria ver os meus trabalhos, por exemplo.
Os dias corriam, voavam, sem ter a sensação de que tinha uma “estranha” em casa. Não era, desde o primeiro momento. Usava-se o pijama pela casa, andava-se descalça(s). Mostravam-se cabelos desgrenhados se fosse o caso. Não haviam figurinos nem “faz de conta”. Éramos tão só quem éramos: uma família normal, com um dia a dia normal. À noite e na noite, a Maggen não contava com a minha presença… era o tempo dos mais novos….
No penúltimo dia, metade da família foi fazer mergulho subaquático na Berlenga, Maggen incluída. Quanto a mim, que tenho com o o mar um idílio contemplativo, atravessei a distância entre Peniche e as Berlengas, na cabine de comando do Cabo Avelar Pessoa, usufruindo da companhia do mestre, que conheço há vários anos e que, com a restante tripulação, me proporciona sempre ensinamentos sobre os segredos da ilha, dos ventos e das marés. É uma espécie de biblioteca viva a que recorro, ano após ano… os saberes dos homens do mar.
Quem conhece as Berlengas saberá da exiguidade de espaços para toalhas e afins. Num Agosto no seu auge, com um tráfego de barcos constante a transportar pessoas, a paz, a beleza daquele santuário da natureza, são, em muito, devassadas.
Com apenas um restaurante e um pequeno bar, quem visita a ilha sem a devida informação, vê-se a braços com a escassez de sombras, com a escassez de água, de bens de consumo. Não existe multibanco...
E, em oposição, com filas intermináveis para adquirir uma garrafa de água que seja. Para beber um café...
Conhecedores de tudo isto, abastecemo-nos em terra, e, lá vamos nós, de geleiras e chapéus de sol…
Éramos um grupo de mais de uma dúzia de pessoas, adultos e jovens adultos. Portugueses, todos e, claro, a Maggen. De viola em punho, o meu filho João alegrava o grupo, a Ana cantava, fazia “tererés” no cabelo dos amigos… enfim.
A determinado momento olhei e vi que, junto a mim, uns pés buscavam ávidos a sombra. Nem me tinha apercebido da sua chegada. Uma mãe (admiti) e dois filhos adolescentes. Dois rapazes. Olhei com mais atenção e percebi: ingleses, porventura. Brancos como leite, sob o sol escaldante do meio dia, no funil das falésias… Não resisti, aconselhei que usassem chapéus, t-shirt… Não tinham chapéus. Não tinham nada, percebi depois. Haviam chegado ao cais de embarque, viram da possibilidade de ir à ilha e, sem que tivessem a ideia de que a ida implicava permanecer das 11.00 da manhã às 4.30 da tarde, foram. A viagem que presumiram de uma hora, era afinal … de um dia.
Estabeleceu-se o diálogo. Juddy, a mãe, era oriunda da Escócia, a viver em Amesterdão. Visitara Portugal nos anos oitenta e voltava agora. Estava espantada com a mudança do país, com a mudança de mentalidades. Dizia que os Portugueses de oitenta eram fechados, sorumbáticos. Os de hoje, de rosto mais aberto, de trato fácil. Mais cultos, mais disponíveis. Questionou sobre Maggen… que se apresentou como “nossa filha americana”… Rimos todos.
O dia decorreu, entre mergulhos e partilha de empadas, de sumos e sandes diversas. Entre troca de experiências, de vivências e, por fim, troca de e-mails.
A determinada altura, disse-lhe: - "O mundo é mesmo muito pequeno… Rita irá brevemente para a Escócia, fazer o seu Doutoramento."
Riu. Na Universidade para onde Rita irá, lecciona um familiar de Juddy... “não há coincidências", pensei … a tal mão invisível a comandar quem cruza com quem nesta longa estrada da vida, verbalizei.
Juddy respondeu-me: - “se não bates à porta, não sabes se dentro está alguém morto ou vivo…”..
Claro, Juddy, tens toda a razão. A questão é que, tantas e tantas vezes, temos receio de abrir a porta, ou melhor, de bater sequer… e, por fim, dei comigo a pensar que a “riqueza das nações” é, indiscutivelmente, as pessoas. O seu recurso maior, o que marca e faz a diferença, o seu cartão de visita. Para além da beleza das coisas, da natureza, dos museus, a arte natural ou construída. São as pessoas o seu bem maior. O que as habita, a capacidade de se revelarem, de se darem aos outros…
Quando voltei a terra, no Cabo Avelar, revi os meus últimos dias, um a um. E achei-me mais rica. Indiscutivelmente mais rica. Tão mais rica. Não sendo crente num só deus, mas na força cósmica, intimamente, agradeci ...
Maggen foi fazer umas compras de última hora. Quanto a mim, entretanto, preparei o jantar. O seu último jantar desta temporada. Desejava que fosse a seu gosto. A campainha tocou. Era Maggen, com um ramo de flores. Esticou-mas.
Olhei-a sem perceber…
- “flores?...”
- “sim, para a minha mãe portuguesa …” .
Abraçámo-nos, ambas já saudosas. Penso que Meggan interiorizou o conceito de "saudades"...
Volta Maggen. A casa é tua, a família é tua. A riqueza das nações, são pessoas como tu, como Juddy, como os filhos... pessoas que ousem partilhar afectos.
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