Desces serena pelo beiral da minha vida, gota de chuva, gota de prata, límpida, na beleza de um puro cristal. Lágrimas soltas no alcantilado gélido da noite.
Abro os meus galhos e acolho-te...
Sou árvore, sou flor, sou pétala, que, em ressupinação te aguarda e que, da tua visita, se purifica.
Sou a semente perdida de uma margarida...
Sou da flor, uma simples micro-pétala que, nesta espera, tão infinitamente alongada, se queda, comprimida contra as margens de um rio que transborda e que tudo alaga, na lágrima salgada. Rio veloz do leito até à foz. Rápido em sentidos desmaiados, a/enunciados, em tantas e tantas palavras, recalcadas na boca, retraídas entre o palato e a língua...
Sabes gota, hoje vou viajar nas tuas asas, vou percorrer o vento suspensa no teu voo secreto. Tu, que tens a capacidade de te transformar do estado líquido ao gasoso e sob o impetuoso frio glaciar... gelar, solidificar. E, como como tu... gota serei. Solidificarei, na recta final Catedral de Gelo, tal as do Lago Superior do Canadá.
Ficarei, que eu sei, com os sentidos mordidos pelo frio. Percorrerei inóspitos lugares, periclitantes, em gélidas paredes recobertas no meu próprio gelo – que gelada se anuncia a vinda do Inverno -, procurarei ai, nesse Universo de quietude e de brancura, a Paz... a Paz que tarda.
Sim, em mim própria serei a água e o alpinista escalador de gelos.
Colocarei os piolets, camelots, crampons, eriçarei os pés em picos... extensões dos meus próprios sentidos.
Sim, não sei na verdade se usarei sequer cartas sinópticas... navegarei apenas ao sabor do sentimento... sem recurso a mais “ferramentas”... Medirei, contudo, os teus secretos ângulos, que juro até comprei um Clinómetro...
Aguçarei a arte e o engenho, na eterna procura da sensibilidade dos sentidos.
Inventarei novos trilhos, nos trilhos da sólida água – que em ti adivinho... gota.
Gota de Prata... gota de orvalho ou de cristal... a mesma, a que tomba agora rumo à boca, em correria, tão, mas tão louca, que simultânea, me beija e me afaga...
Procuro em ti, gota, como te digo, caminhos! Caminhos que me conduzam ao cume, ao cume mítico da Montanha Mágica.
Caminhos de inovação e de atrevimento.
Caminhos de protecção e discernimento... de pureza e consistência...
Gota, parede de cristal.
E te encontro, e me encontro, entre o fim da noite e o início da madrugada, nesta eterna escalada, ao epicentro de mim.
Esta escalada que me obriga a escutar, a ler o que me habita...
Muno-me de cordas e de archotes, desafio a verticalidade, procuro-te e procuro-me.
És a certeza reencontrada na palavra Saudade.
E no negrume da noite, vislumbro-te, gota, estrela a pontilhar de luz a lua, a lua negra e fugidia. És de mim o farol, a guia, o anjo que sem que me toque me transporta a este abismo que sou, dentro do meu próprio corpo: mar tumultuoso, revolto...
Oceano sem fim, onde apenas o simples brilho de uma só gota, me ilumina e me conduz, me alumia, me reconforta, me fascina.
Gota de cristal, de chuva e prata!
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