Como o prometido é devido a as promessas são para cumprir, a minha memória transportou-me até esses singulares momentos, em que deste preciso lugar testemunhei um pouco da heróica e acidentada governação de El Rei Dom Fernando, o formoso. Este monarca teve a coragem de proclamar e fazer cumprir a “Lei das Sesmarias” em mil trezentos e setenta e cinco. Lei essa que se tornou importantíssima para o desenvolvimento do Além-Tejo-e-Odiana.
Recordo um belo dia do mês de Abril, do já distante ano de mil trezentos e oitenta e três, quando me desloquei às hortas viçosas de Rio de Moinhos, de encontrar junto à igreja de São Tiago o inevitável Professor José Hermano Saraiva, que andava por ali a dignificar a sepultura do seu amigo Dom Gonçalo, outrora um bom eremita naquele ermo e recôndito local.
Prestei as devidas reverências ao meu Mestre, almoçámos uma sopa de beldroegas condimentada com queijo velho e ovos escalfados, e pouco tempo depois, desandei pela estrada da Lozera na companhia da sapiência e das palavras sensatas que o Professor me ia proferindo com emoção e em alta voz… O Professor disseram-me durante o repasto que precisava de apressar um pouco o passo, para nos encontrarmos ao fim da tarde na Foupana, com os nossos amigos Álvaro Gonçalves e Fernão Lopes, que nos esperavam, para mais uma grande e vigorosa batalha de conversa… Enquanto o colorido do campo nos fazia ver as maravilhas do terreno e o aroma da Primavera nos facultava de bandeja as mais belas fragrâncias da vida, o meu companheiro e amigo elucidou-me das inúmeras intrigas na Corte: referiu a morte de Henrique II de Castela, quatro anos antes; explicou-mo ao pormenor o enorme fracasso da frota portuguesa, nas águas quentes do Algarve, em mil trezentos e oitenta e um; e, quando o meu prelector estava precisamente a relatar a obsessão do nosso “formoso” Rei pela coroa de Castela, olhou em frente, e com os olhos absortos no horizonte, que se estendia aos até aos pés do Universo, revelou-me que no dia seguinte partia rumo a Badajoz, para assistir ao casamento de Dona Beatriz (de apenas doze anos), com Dom João I, de Castela - fruto de um acordo efectuado e assinado em Salvaterra de Magos. Confessando-me por fim o bom homem, que Dom Fernando estava doente, e que o nosso Rei tencionava pernoitar em Borba, aquando do seu regresso a Lisboa… Percorridas umas quatro ou cinco mil jardas, o Mestre parecia ter conquistado a simpatia da fauna e maravilhado o sorriso explanado em todos os rostos da flor com suas caudalosas palavras, repletas de frescas novidades e de grandes acontecimentos… O chão da Carrascoza já se estendia em nosso redor, quando num abrir e fechar de olhos, fomos surpreendidos e interpelados por dois enormes cavaleiros ingleses (enviados pelo Duque de Lancaster, para nos protegerem dos Castelhanos), que nos tentaram prontamente saquear e amedrontar…
As palavras são os olhos da alma...