De minha janela entreaberta
Acostumei
A admirar o ermitério
Erguido ao lado do prédio;
Emergia dali,
A qualquer hora do dia ou da noite,
Pré-histórica criatura.
Teria alma?
Haveria emoções naquela vida?
Haveria importância nas coisas que fazia?
Apesar de todos os vizinhos
Conhecerem o ermitão,
Falarem dele,
Caçoarem dele,
Nunca ninguém falou com ele.
Permaneceu impávido e inviolável.
Passei bastante tempo de minha juventude,
Espionando meu estranho vizinho.
Nunca o vi chorar.
Nunca o vi sorrir.
Nas grandes tempestades,
Sobre o impacto dos trovões,
Dava-me coragem e tristeza,
Ver o ermitão agachado,
Impassível,
Em sua rústica vivenda.
Quando a insônia
Tomava conta das minhas madrugadas,
Abria minha janela,
Lá estava o ermitão,
Saindo ou chegando,
De suas solitárias caminhadas
Por estas horas,
Soturnas ruas da cidade.
Um dia,
Como outro qualquer,
O ermitão teve que se mudar dali.
Sepultaram seu ermitério
Sob lajes voluptuosas,
Onde concumbinariam o gregarianismo
E o falatório inconseqüente eternamente.
A última notícia
Que tive do ermitão dizia:
Provisoriamente erguera
Seu ermitério no coreto da praça.