distraída como era julgava que o sol nascia do lado do mar, estava certa de que o cancro era transmissível e que a lua era um planeta. na cozinha onde trabalhava os bolinhos de bacalhau levavam farinha e as costeletas de porco eram temperadas com açúcar. na casa dela o frigorífico morava na sala, a TV na casa - de – banho, os panos de cozinha serviam de toalhas e às vezes secava o cabelo com o ferro de engomar. Havia quem lhe chamasse louca, outros achavam-na doente e ainda havia alguém, uma única pessoa, que a achava extremamente divertida e conseguia ver na sua distracção uma estratégia de sedução imparável. ele chamava-se zé mário e estava apaixonado por ela, trabalhava como segurança no restaurante e demorava duas horas a fazer a ronda, uma hora e cinquenta a certificar-se que tudo estava bem na cozinha e dez minutos nas restantes divisões. laurinda sofia magalhães lemos era uma mulher elegante, cabelos gordurosos, nariz empinado, jeito de andar estranho como quem corre sempre no mesmo lugar, os olhos talvez pretos às vezes pareciam castanhos escuros, não muito alta conseguia chegar ao topo da estante sem se pôr em bicos de pés, apanhava o autocarro às sete da manhã e às dez horas da noite sentava-se na sanita para assistir à telenovela.
. façam de conta que eu não estive cá .