O QUE EU SOU PRA VOCÊ
Eu sou o cheiro do vento.
Eu sou o remanso dos lagos.
Eu sou a beleza das ondas,
Eu sou a estrela no espaço.
Eu sou a tragédia de Hiroshima.
Eu sou o atentado ao Papa.**
Eu sou os famintos da Etiópia,
Eu sou a humilhação do tapa.
Eu sou este sol que ilumina.
Eu sou esta lua que acalma.
Eu sou o balão que sobe,
Eu sou o eco dos vales.
Eu sou o fumo que queima.
Eu sou o amargo do fel.
Eu sou o aceno da partida,
Eu sou o drama de Israel.**
Eu sou o diamante da rocha.
Eu sou o calor do sol.
Eu sou a importância do sangue,
Eu sou a semente do girassol.
Eu sou o trombo nas veias.
Eu sou o raio na chuva.
Eu sou o desespero da fome,
Eu sou o filho que a mãe excomunga.
Eu sou este ar que dá a vida.
Eu sou essa água do solo.
Eu sou o perfume da flor,
Eu sou o poeta de outrora.
Eu sou a angina no peito.
Eu sou a avalanche nas neves.
Eu sou o furacão do sul, **
Eu sou a escuridão das trevas.
Eu sou o canto dos pássaros.
Eu sou o sabor do prazer.
Eu sou a doçura do mel,
Eu sou a alegria do viver.
Eu sou a cureta que mata.
Eu sou o filho que não pode gritar.
Eu sou a mãe que o assassina,
Eu sou a dor de quem não pôde evitar.
Eu sou a pedra que rola.
Eu sou o sino que toca.
Eu sou o flúmen que corre,
Eu sou o giro da roca.
Eu sou o simulacro da forca.
Eu sou o caminho do mal.
Eu sou a alucinação do delírio,
Eu sou o ardor do espinho, da lança e do sal.
Eu sou a caverna de inermes.
Eu sou a esperança dos pobres.
Eu sou o carinho da brisa,
Eu sou o segredo dos cofres.
Eu sou o agouro dos corvos.
Eu sou o veneno das cobras.
Eu sou o fogo da brasa,
Eu sou o carrasco com as cordas.
Eu sou o sorriso da criança.
Eu sou a experiência dos velhos.
Eu sou o conto das fadas,
Eu sou a encarnação de Eros.
Eu sou da granada o estilhaço.
Eu sou o golpe da foice.
Eu sou do karatê o seiken,
Eu sou do burro o seu coice.
Eu sou o livro que ensina.
Eu sou o princípio da sorte.
Eu sou o orvalho da noite,
Eu sou o encanto da morte.
Eu sou o pavor do medo.
Eu sou o nervoso do gago.
Eu sou a picada da abelha,
Eu sou o estrume do gado.
Eu sou a lente do míope.
Eu sou a bengala do cego.
Eu sou a morfina inibindo a dor,
Eu sou o mistério do ego.
Eu sou Goneril e Regane.
Eu sou a procela que mata.
Eu sou o Vesúvio destruindo,*
Eu sou a cólera que ataca.
Eu sou os jardins do Éden.
Eu sou a perfeição dos caracóis.
Eu sou o festival de Cannes,
Eu sou o mágico de Óz.
Eu sou o homem perdido na lua,
Eu sou o mendigo na Terra.
Eu sou a justiça clamando,
Eu sou o fogo subindo a serra.
Eu sou a boca sorrindo.
Eu sou a liberdade do pássaro.
Eu sou o coração de menino,
Eu sou o cometa que passa.
Eu sou os fanáticos de Moon.
Eu sou o tal papa do diabo.**
Eu sou a orgia dos Bórgias,
Eu sou esse carrossel de crápulas.
Eu sou a brisa que beija os lábios.
Eu sou o suspiro que afoga as mágoas.
Eu sou a lembrança que transcende os anos,
Eu sou a vitória desse povo fraco.
Eu sou as fábricas poluindo os rios.
Eu sou o monóxido envenenando os ares.
Eu sou a escória atômica que assombra o mundo,
Eu sou a televisão que destrói os lares.
Eu sou a droga que cura o câncer.
Eu sou o vento que espanta os males.
Eu sou o extintor que apaga o fogo,
Eu sou força que controla a garra.
Eu sou o sismo que abalará Chicago.*
Eu sou o maremoto que destruirá as naus.
Eu sou a corrupção em forma de governo,
Eu sou o vulcão que destruirá Manaus.*
Eu sou a mão que oferece comida.
Eu sou a sombra que protege o gado.
Eu sou o oásis que salva no deserto,
Eu sou a fé, na hora aflita do parto.
Eu sou os megatons da morte.
Eu sou os mísseis teleguiados.
Eu sou Hitler exterminando judeus,
Eu sou a foto dos assassinados.
Eu sou o sono que refaz do cansaço.
Eu sou a noite para que você possa dormir.
Eu sou o sonho que completa a felicidade,
Eu sou a manhã disposta do agir.
Eu sou a hidrofobia no homem.
Eu sou o vírus da peste suína.
Eu sou a febre aftosa no gado,**
Eu sou a privação da vacina.
Eu sou o farol da Alexandria.
Eu sou o silêncio dos templos.
Eu sou a alegria da Disneylândia,
Eu sou o amor dos novos tempos.
Eu sou o Judas da mesa.
Eu sou o esquadrão da morte.
Eu sou Nero incendiando Roma,
Eu sou a rês a caminho do corte.
Eu sou os versos que animam a vida.
Eu sou a viola que embeleza o forró.
Eu sou a cigarra que canta e chora,
Eu sou o bailar da pedra mó.
Eu sou a artrose nas juntas.
Eu sou a ardência do calo.
Eu sou a cólica nos rins,
Eu sou a conjuntivite nos olhos.
Eu sou os brinquedos do parque.
Eu sou o iate deslizando no mar.
Eu sou a pipa colorida flutuando,
Eu sou o balão majestoso no ar.
Eu sou o bromato no pão.
Eu sou a canjiquinha na carne.
Eu sou o herbicida no campo,
Eu sou a coceira da sarna.
Eu sou o coração de Gandhi.
Eu sou a esperança no interferon.
Eu sou a melodia da música,
Eu sou do violino o teu som.
Eu sou o financiamento no banco.
Eu sou a cruel prestação do BNH.
Eu sou o pai que abandona a família,
Eu sou os juros que fazem o homem pirar.
Eu sou o médico extirpando o mal.
Eu sou o dentista aliviando a dor.
Eu sou o advogado defendendo a liberdade,
Eu sou o espírita pregando o amor.
Eu sou a serpente preparando o bote.
Eu sou o escorpião injetando o veneno.
Eu sou a aranha mordendo a criança,
Eu sou, também, a febre do feno.
Eu sou a beleza do cisne.
Eu sou o encanto do pavão.
Eu sou a elegância da seriema,
Eu sou o colorido do faisão.
Eu sou o tumor no cérebro.
Eu sou a inflamação do baço.
Eu sou a gangrena na perna,
Eu sou a fratura do braço.
Eu sou o prêmio da loto.
Eu sou a aposta no bicho.
Eu sou a federal premiando,
Eu sou a sena fazendo ricos.
Eu sou a visão terrível do futuro.
Eu sou as águas cobrindo a Europa.**
Eu sou a doença do líder Arafat,**
Eu sou o suicídio tristonho do Papa.*
Eu sou o governo da massa que virá.
Eu sou o povo festejando nas ruas.
Eu sou a expectativa nova que nasce,
Eu sou o mundo respeitando o novo líder.
Eu sou a cruel febre atômica.*
Eu sou esta doença infernal.
Eu sou a pele desmanchando,
Eu sou a seqüela menor deste mal.
Eu sou Deus por entre as nuvens.
Eu Sou o exército fantástico dos anjos.
Eu sou os clarins anunciando a Ave Maria,
Eu sou nessa hora o infinito e os seus encantos.
Eu sou o blake out assustando São Paulo.**
Eu sou Angra II, a usina assassina.*
Eu sou a doença que virá mais forte que o câncer,**
Eu sou a tragédia que marcará a china.**
Eu sou o alcoólatra que regenera e sorri.
Eu sou a alma que consegue a salvação.
Eu sou o dependente que supera o vício,
Eu sou o pai concedendo ao filho o perdão.
Eu sou esses homens empedernidos.
Que esta Terra conseguirão destruir:
Pois no lugar da paz, fazem a guerra,
Criam a peste, a violência, os foguetes.
Mas criam também manicômios,
Para seus próprios produtos, poderem consumir.
( (Poema escrito em 10 de outubro de 1976).