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Génesis

 

Soubemos, num dia de Junho de 80, que virias ter connosco, que nos trarias a tua desejada presença.
Sentimos a inacreditável maravilha de já existires, cristal do nosso amor.
É muito difícil dizer-te agora a vida, será contigo que o iremos aprender: dizer a verdade, enfrentados na branda agressão, voltados nos dias feridos, lançantes em repetido.
Quando a mão de falar era muda, chamei-te amigo e pensei que bastasse. Abracei a fala, esperando alongar a terra. Abri o gesto, calado estendido em laconismo. Pensava que o braço e a palavra trouxessem à mão o amigo.
Percorridos corpo e mar, enchi de vento o meu bote, sem vela que voasse rasgando as águas. Esperava ver nascer o mastro na minha pele emproada, sem que navegasse à solta. Gritava, por não ter pressa de chegar ao porto, cansado dos estafados conselhos de me perguntar, amedrontando os fantasmas da minha vacilação se já queria terminar a viagem.
Procurei-te na mais humilde acção, pelas ruas, de canção nos lábios. Mais do que em ti, as diferenças da leitura, revirada nos pólos dos sete mares, das sete mil e quinhentas partidas do pensamento.
Assim foi que fui sabendo fazer-te.
Estávamos no ser indeterminado de sermos as árvores livres, importados com tudo o que não fosse importante.
Ferir o vento, levar a ver o espanto defrontado à descoberta das janelas por abrir. Romper a sebe, saltar o fosso.


José Jorge Frade

Capítulo 24 de "Lúcido Mar"
 
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josejorgefrade
 
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