Caminhando pelo cais, Domingos fala com ternura das armas do seu ofício, plainas, machadinhas e formões, meios de transpor à madeira as formas da Arte.
Foram todos jantar à casa deste amigo, à beira do rio, perto do estaleiro, onde ele deu asas à alegria, na música da sua concertina.
Não a tinha levado no barco, por isso ficaram surpreendidos com os sons que dos dedos de Domingos agora fluíam.
Ela, a outra música, a do mar, era o contraponto e a inspiração desta, a do cais. Uma, a das ondas e do vento nas velas e cordame. Outra, feita de suor e gritos, de pés descalços e de amor.
Dançaram os amigos e depois falaram dos seus sonhos e projectos.
Álvaro Urbano esboçou o conceito de “Neo-Manuelismo”, a seu ver ainda insuficientemente caracterizado, ambicionando fazê-lo, quiçá sob a forma de ensaio…
Wirsung projectava escrever um romance, com base nas gravações das viagens.
Luís escreveria, nessa mesma noite, poemas inspirados nas sensações da navegação.
Luciana ambicionava, partindo das imagens fotografadas, fazer telas de grande beleza e força, isto é, realistas, que viessem a ser os “Novos Painéis de São Vicente”.
Henrique, ex-Lovat-Erin, sempre acompanhado por Ana, continuaria a ensinar, qual Novo Infante, quem queira aprender a ser Navegador.
José Jorge Frade
Capítulo 23 de "Lúcido Mar"