Textos : 

A luz da linguagem

 

“As luzes de um navio de vela são dois faróis, um a cada bordo, sendo vermelho o de bombordo e verde o de estibordo, mostrando uma luz ininterrupta sobre um arco de horizonte de dez quartas da agulha, colocados de forma a projectarem a luz desde a proa até duas quartas para ré do través, devendo por meio de anteparas evitar-se que o farol de um bordo seja visto do bordo oposto.”
Sem semiologia não há linguagem. Nem, sem esta, comunicação, transferência e comunhão de saberes, entendimento.
-“Os navios de vela dão, como sinal de nevoeiro, um som de buzina ou de sereia, de minuto a minuto, quando amurados por estibordo. Dois sons, quando amurados por bombordo, e três sons quando navegando à popa.”
Henrique ensinava agora as leis da navegação, as regras de trânsito dos caminhos marítimos, quem deve desviar, conforme vai de bolina ou com amuras a bombordo, navegue a um largo ou à popa.
Explicava os sinais sonoros para navios à vista, indicando as manobras através do número de sons curtos, e os sinais de perigo, tiros, foguetes, fogueiras, o SOS em código Morse.
Os sinais de mau tempo em lona pintada de preto, em feitio de cone, içados no lais da verga, dispostos conforme os quadrantes da bússola de onde o temporal é provável, em convencionadas significações.
Álvaro já tinha aprendido a traçar a Rosa-dos-Ventos, determinando-lhe os quadrantes.
-“Dividindo estes ao meio por outras duas linhas perpendiculares, teremos outros quatro rumos cujos nomes se formam da reunião dos dois entre os quais estão, e são os que dão o nome aos quadrantes. Dividindo ao meio os espaços que ficam entre os rumos já achados, teremos oito novos rumos, cujos nomes se formam também da reunião daqueles entre os quais estão. Dividindo ainda ao meio os espaços que ficam, obtêm-se as quartas e pelo mesmo processo, as meias quartas e os quartos.”
Pairava sobre a memória dos companheiros que o ouviam a imagem das antigas cartas, com uma rede de linhas e ângulos, em arabescos entre as costas detalhadas de portos, enseadas e falésias, praias e ancoradouros.
Para Álvaro Urbano, essas evocações resvalavam para mapas de tesouros de piratas, mas resistiu ao sonho e continuou com seriedade:
-“A rosa-dos-ventos pode ser graduada de zero a trezentos e sessenta graus, contando-se a partir do norte.”
Explicou seguidamente, sem qualquer ‘snobismo’, a composição de uma agulha de marear.
-“Está metida numa caixa de latão que se chama morteiro e apoia-se, por dois munhões, a uma suspensão que a mantém sempre horizontal. No morteiro estão assinaladas as linhas de fé, cuja posição deve ser rigorosamente paralela à quilha do navio.”
Entusiasticamente transformado em arquitecto naval, Álvaro continuava a descrever a peça:
-“A suspensão apoia-se por sua vez a uma bacia de latão que se chama bitácula, coberta por uma cúpula envidraçada do mesmo metal, onde se colocam as luzes, e que se apoia num suporte de madeira torneada, fixado no convés por meio de parafusos.”
Domingos, até então calado, entendeu ser o momento para acrescentar:
-“Existem também agulhas líquidas, cuja tina está cheia de água destilada ou água e álcool, na qual flutua a rosa dos ventos ligada a um flutuador central, conseguindo-se assim movimentos mais suaves.”


José Jorge Frade

Capítulo 19 de "Lúcido Mar"
 
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josejorgefrade
 
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