Ana tratara de trazer para bordo um equipamento indispensável, e agora explicava aos companheiros desta barca de muitos mestres e aprendizes a sua composição:
-“A farmácia essencial compreende: bisturi, tesoura, pinça de dissecção, porta agulhas, pinça de bicos finos para a extracção de corpos estranhos, duas pinças hemostáticas, seringas e agulhas descartáveis, agulhas e sedas de sutura de vários tamanhos, algodão, compressas esterilizadas, ligaduras de várias larguras, adesivo, solução antisséptica, álcool a setenta graus, ampolas de anestésico, analgésicos, colírio, protector solar, antiácido, antidiarreico.”
-“Quem vai ao mar, avia-se em terra!” – exclamou, ufano e irónico, Álvaro Urbano, sentindo-se logo em seguida bastante ridículo.
Depois de Henrique ter esclarecido quais as manobras para a recolha de um náufrago, Ana explicou ainda a técnica correcta de reanimação de um afogado.
Chapinhando em memórias que de súbito o assaltaram, o marinheiro já não a ouvia, recordando-se da longínqua planície, e do pedaço de si que nela ficara, como náufrago num pântano verde.
De olhos salgados e alma amarga, nele soava agora o tom grave e solene de uma canção alentejana:
“Eu sou devedor à terra
e a terra me está devendo.
A terra paga-me em vida,
e eu pago à terra em morrendo.”
José Jorge Frade
Capítulo 18 de "Lúcido Mar"