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Rumos provados

 

Era tempo de começar a por à prova a aprendizagem de Luís. Henrique ordenava:
-“Claro a virar!”
E Luís manobrava a virar por d’avante. A embarcação negou-se.
-“Mentiu a virar!”
Luís manobrou de modo a corrigir a falha.
Wirsung tinha ligado o seu pequeno gravador, de grande capacidade, que sempre trazia para registo das falas, pensando imortalizar as palavras mais tarde, pela escrita.
-“Pronto, virar!”
E Luís manobrava a virar em roda.
-“Caçar as velas!”
Luís puxava-as bem à acção do vento.
-“Folgar as velas!”
O louro aprendiz de marinheiro afastava os panos do sopro do vento.
-“Leme de ló!”
Luciana fotografou Luís a pôr o leme a barlavento, orçando.
-“Leme de encontro!”
Luís punha-o a sotavento, arribando.
À ordem de “Leme de revés!”, foi pô-lo do lado oposto para onde a proa ruma, andando a embarcação a ré.
Henrique deu seguimento à pedagogia, com perguntas:
-“O que quer dizer ‘o vento casseia’?”
Luís:
-“Indica que o vento ronda mais para a proa, o que é desfavorável.”
-“E quando a voz de manobra é ‘o vento alarga’?”
-“Essa é empregue quando o vento ronda mais para a popa, o que é favorável.”
-“Cheio mais, cheio menos, cheio todo?”
-“São vozes para o leme, para arribar, orçar e deitar à popa, respectivamente.”
-“Bem.”
O gravador registou, para que Wirsung lhes dê continuidade, como tinha feito em narrativa de outra planura, tornando imorredoiros muitos termos da prática dos navegadores.
Abicar, aduchar, aguentar ao socairo, ao pairo, bordejar, cambar as escotas, aquartelar, carregar pano, coar um aguaceiro pelas testas, coca de um cabo, colher de um cabo, dar de luva, dar por d’avante, dar volta a um cabo, dar volta à amarra nas abitas, deitar fora dos rizes, deitar fora o pau da bujarrona, deitar um mastaréu à cunha, desbolinar um cabo, desenvergar pano, em árvore seca, encapelar, enfurnar, fazer cabeça, fazer de vela, ferrar pano, galindréu, pandeiro de cabo, pescar de luva, pôr de capa, querenar, rondar um cabo, safar cabos, seguir de ló, sobrar um pandeiro, solecar, tiramolar, topetar, trempe, à trinca, vento de refregas, virar de bordo.
O mudar de rumo dos filhos da madrugada.
Agora o gravador tocava Zeca Afonso.


José Jorge Frade

Capítulo 17 de "Lúcido Mar"
 
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josejorgefrade
 
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